#10 Essenciais do Cinema

por Lucas Brandão,    3 Novembro, 2016
#10 Essenciais do Cinema
PUB

Se estás a ler isto é porque chegaste ao “Essenciais do Cinema”– uma nova rubrica da CCA para quem quer descobrir um pouco mais. Com temáticas menos generalizadas, por vezes menos actuais mas igualmente relevantes. Com tudo isto, é normal que por aqui encontres – e temos mesmo de te avisar – mais texto. Bem-vindo ao “Essenciais do Cinema”.

The Godfather (1972) & The Godfather: Part II (1974)
Realizador: Francis Ford Coppola
Protagonizado por: Marlon Brando, Al Pacino, Robert De Niro

Vito Corleone. O nome não passa indiferente para a maioria daqueles que se deixaram levar pelas referências frequentes ao apogeu do cinema. Um rosto marcante na história da sétima arte e adaptado para a modalidade por Francis Ford Coppola, realizador até então praticamente desconhecido, a partir da obra literária da Mario Puzo (1969). É irrefutável que o cinema ainda era algo estandardizado e conformado com as políticas cavalheirescas e criminais, não obstante uns audazes anos 60. Tudo aquilo que fugia à norma acaba por conhecer um fracasso em bilheteira, embora funcionasse como despertar cultural para as novas gerações de jovens artistas. Assim foi com a geração de Coppola, que incluiu em si Steven Spielberg, George Lucas ou Brian de Palma.

Focando nesta parelha de filmes, importa não ocultar a existência de uma terceira parte realizada em 1990, embora sem conhecer o mesmo impacto mediático. Esta acaba por sentenciar, num misto de comoção e de aceitação, o desaire que remata o final da vida do filho mais novo do tal “Don” Vito Corleone. Assim, e para que se conheça este nome, eis o filme realizado em 1972, que traz em si a história de um poderoso mafioso e da sua família, para além de explorar com minúcia os seus métodos e áreas de negociação. Vito Corleone trata-se de um nome com enorme influência num contexto nacional, vendo o seu património a ser enriquecido paulatinamente desde que chegou à cidade novaiorquina. Com uma família construída e rodeado por homens da sua confiança, incluindo o quase eterno “consigliere” Tom Hagen (interpretado por Robert Duvall), nada aparenta parar o “Don”. No entanto, uma força oposta emergente, liderada por Virgil Sollozzo, mostra-se disposta a derrubá-lo e ao potencial da sua futura família. Pelo meio, o pródigo filho Sonny Corleone (James Caan com uma representação bastante conseguida) conhece uma morte prematura num tiroteio, o que levou o irmão mais novo Michael Corleone a tomar medidas drásticas. Este, que aparenta ser aquele que se desinteressava mais do meio da sua família, acaba por conhecer um volte-face.

Para afastar este de toda a azáfama que percorre o seu nome, Michael emigra para a aldeia italiana onde nasceu o seu pai, sendo a mesma Corleone, dando origem ao apelido de todo o seu agregado familiar. No entanto, e mesmo garantindo alguma estabilidade familiar por lá, vê-se obrigado a retornar aos Estados Unidos pela saúde de Vito se deteriorar. Sentindo a responsabilidade de ajustar contas com quem devia e construindo família com a sua namorada Kay-Adams, é este que toma as rédeas do clã. O desenvolvimento da personagem de Michael Corleone acaba por ser aquilo que carateriza a magnificência da segunda parte desta adaptação. Toda a metamorfose que acaba por sofrer, motivada pelas contingências que envolvem as suas missões como “Don”, conhece um corolário surpreendente, envolvendo o irmão Fredo Corleone e a irmã Connie Corleone. Personagens, como os promíscuos Hyman Roth e Johnny Ola, revelam-se marcantes e preponderantes no desenvolvimento de um Michael Corleone que se contempla cada vez mais calculista e compenetrado no seu poder e influência.

A personagem de Vito Corleone é a única a garantir dois Óscares até ao momento, conferindo a Marlon Brando e a Robert De Niro esse galardão pelas participações na primeira e segunda partes, respetivamente. O primeiro deslinda a maturidade e a sensatez de um homem que não se desliga dos seus valores mais humanos, não obstante a falta de transparência que normalmente se associa à atividade mafiosa. Com uma representação que fez esquecer os negros anos 60 que atravessou, trata-se de uma ressuscitação de todo o potencial que havia exibido na década anterior a essa. Já o segundo, apesar de não conseguir garantir o papel de Sonny e de Michael Corleone em castings, conquistou a oportunidade que lhe foi concedida em 1974 e vingou na contextualização histórica de Vito Corleone, expondo grande parte do desenvolvimento da personagem. Um começo mais escasso e esparso na atividade criminal, acabando por construir uma orla de influência em seu redor, um negócio altamente lucrativo no ramo do azeite e uma família numerosa e apoiada pela sua esposa Carmela.

No entanto, a maior revelação acabou por ser Al Pacino, ator com alguma experiência dramática e aposta pessoal de Francis Ford Coppola. De uma personagem com vagas intenções de permanecer no ramo ilícito da família e com amplas ambições académicas, vê-se empurrado para esse cenário e é com este por detrás de toda a sua atividade que se transforma e se revela consoante os astros se vão ajustando no trama. As expressões faciais e corporais acompanham uma interpretação viva e convicta de todo o ideal que Michael vai assumindo. Outros atores, tais como Robert Duvall, James Caan e John Cazale, cumprem com distinção aquilo que as personagens deles exigem e mostram ao mundo uma face renovada e distinta daquilo que é a máfia organizada. Uma família que acaba por ver os seus princípios imaculados, principalmente em hora de aperto, unindo-se consoante as contingências solicitavam.

Em suma, e no dealbar de uma nova forma de se fazer e de se dar vida em cinema, “The Godfather” foi um dos rostos primordiais na celebrização da sétima arte, embora ainda com algumas reticências por parte dos rostos da indústria. Francis Ford Coppola captou um contexto que era mediático na atualidade das grandes metrópoles norte-americanas e transportou com classe a obra de Mario Puzo, marcando na história do cinema a família Corleone. Todo o pormenor das duas partes constituintes, desde a fotografia contrastante de Gordon Willis, das marcantes representações e da sublime narrativa até à envolvente emocional e cénica dos diálogos, deu origem a uma aura de perfeição que circundou a obra de Coppola. Em plena transição, criou-se a predileção. Foi isto que se tornou obra e foi assim que se consumou a caminhada idílica do cinema no rumo de um arrojado poema.

Nota: o presente trailer é de um especial produzido pelo canal HBO, que realinhou as duas partes de forma cronológica e deu origem a “The Godfather Saga”, cuja duração é de quase 7 horas.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados