“22, A Million”: a nova religiosidade de Bon Iver
Foi em 2012 que assisti ao concerto de Bon Iver na arena do Campo Pequeno, com For Emma Forever Ago e a apresentação do álbum homónimo, depois de esgotados os espectáculos nos Coliseus de Lisboa e do Porto meses antes. Um concerto indie folk que se esperava intimista e que acabou por cimentar Bon Iver no território português. Cinco anos depois, apresentam 22, A Million.
Ao contrário dos dois álbuns anteriores, de faixas facilmente trauteáveis e acompanhadas de guitarras acústicas, 22, A Million distancia-se musical e visualmente da estética que até agora nos tinha sido apresentada. Repleto de sintetizadores e distorções que Bon Iver ainda não nos tinha mostrado, este novo trabalho é, sem dúvida, críptico e de pendor electrónico.
O álbum inicia com a suave 22 (OVER S∞∞N), informando-nos que este poderá acabar em breve “it might be over soon” e presenteando o ouvinte com um coro e solos de saxofone. A primeira faixa introduz a tónica do álbum, letras propositadamente quebradas e um ambiente clerical. Na segunda música, tanto o trabalho de Justin Vernon como o da sua outra banda, Volcano Choir, com a colaboração de James Blake, parecem, de algum modo, ter deixado uma marca, sendo difícil não pensar em “Fall Creek Boys Choir” ao ouvir 715 – CR∑∑KS. A religiosidade é especialmente perceptível em 33 “God”, não só pelo nome da música, bem como pelas exortações religiosas presentes na recta final da mesma. Esta é também uma das faixas que parece fazer a ponte entre os antigos álbuns e o presente. 33 “God” tem início ao piano e, paulatinamente, são adicionadas subtis batidas electrónicas que servem de pano de fundo à voz de Vernon. 10 d E A T h b R E a s T ⚄ ⚄ é electronicamente mais pesada do que as anteriores, contudo, temos sempre como ponto de referência a voz do cantor a acompanhar-nos, esteja ela mais ou menos distorcida, mais ou menos estilizada. 29 #Strafford APTS e 666 ʇ são as músicas que nos lembram que este álbum é genuinamente de Bon Iver, e que estamos perante o mesmo criador dos trabalhos anteriores, estando musicalmente mais próximas do que até aqui conhecíamos. ____45_____ destoa pela positiva, com saxofones do início ao fim, e menos eléctrica que as precedentes. 21 M◊◊N WATER e 8 (circle) não são tão marcantes, contudo estruturam o álbum sendo 8 (circle) mais melódica e aparentemente menos experimental que 21 M◊◊N WATER. O álbum termina com a suavidade com que inicia em 1000000 Million, informando-nos que os dias não têm números, parafraseando Fionn Regon em Abacus, com um banjo a acompanhar a despedida.
É especialmente interessante acompanhar os vídeos com as letras, disponibilizados no Youtube pelo grupo (um trabalho gráfico notável por parte Eric Timothy Carlson). Estes vídeos sintetizam o próprio álbum, uma incursão artística de estética diferente, cativando outro tipo de público e não alienando os fãs originais. Em For Emma Forever Ago, uma crise num relacionamento interpessoal amoroso dá vida a um álbum sincero, encontrando-se o álbum seguinte, homónimo de Bon Iver, no pico do reconhecimento da crítica e cimenta o trabalho anterior. Em 22, A Million temos a dissecação existencialista de uma crise intrapessoal, do eu e do seu propósito existencial, por meio de distorções e desconstruções, tanto ao nível das letras como da sonoridade, resultando num álbum altamente intelectualizado e electronicamente estilizado, longe do que, até aqui, Bon Iver nos tinha habituado.
Passaram-se 5 anos desde que Bon Iver se estreou ao vivo em Portugal, estando marcada nova incursão na cidade Invicta no NOS Primavera Sound 2017, a 9 de Junho. Será interessante testemunhar o resultado deste álbum, tão diferente dos anteriores, tocado ao vivo, não perdendo de vista o som de Bon Iver que até aqui conhecíamos.