Awin Farhat, a história de uma fuga ao “inferno” de Gaza
O que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de media independente, progressista e dissidente e foi originalmente publicado em www.fumaca.pt.
Este sábado, 4 de agosto, foi mais um dia de funerais na Faixa de Gaza, na Palestina, como tem sido norma todas as sextas-feiras desde o dia 30 de março, quando se deu início à Marcha do Grande Retorno. Os destaques noticiosos não fazem menção à Marcha desde 14 de maio, dia em que o os Estados Unidos inauguraram a sua nova embaixada, em Jerusalém, enquanto as forças israelitas proporcionavam um massacre como não se via desde 2014: no fim do dia, o exército israelita tinha assassinado 60 palestinianos e ferido quase três mil.
Os protestos deixaram de fazer destaques, dizia, mas os bombardeamentos continuaram. E os assassinatos também. Desde o final de março, e de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, foram mortos 154 palestinianos, incluindo vários menores.
Ahmed Yaghi, de 25 anos, e Muaz al-Suri, de 15, foram ambos enterrados como mártires, este sábado, depois de terem sido atingidos a tiro por snipers durante os protestos da última sexta-feira. No entanto, os cerca de dois milhões de residentes da região estão também a caminhar a passos largos para a morte. A distribuição de eletricidade é assustadoramente precária – a população tem acesso a apenas quatro horas de eletricidade por dia, no máximo. Uma em cada duas pessoas estão desempregadas. 1.2 milhões de residentes não têm acesso a água canalizada e, para os que têm, quase toda a que chega às torneiras – 97% – está demasiado poluída, com excesso de sal e esgoto, para poder ser consumida. Segundo a Organização das Nações Unidas, a continuar assim, a Faixa de Gaza, não terá condições de sobrevivência dentro de dois anos, em 2020.
Mas não há saída.
Israel e o Egipto impõe, há mais de dez anos, um bloqueio que limita as importações a bens essenciais. Têm, também, cercadas dois milhões de pessoas – dos quais 1.3 milhões são refugiadas e metade são menores – dentro de um retângulo de 365 quilómetros quadrados, do qual não podem sair sem uma autorização de um dos governos. As únicas portas de saída, controladas pelos dois países, estão encerradas a maior parte do tempo, abrindo e fechando sem aviso ou plano atempado. Por isso, são milhares e milhares os que esperam durante anos por uma fuga.
Awni Farhat foi um dos que conseguiu sair. Conta-nos que, em 2015, “era o número 11.740”. Como tantos outros, deslocou-se dezenas de vezes à fronteira com o Egipto, na tentativa de passar a Rafah Crossing, sempre sem sucesso. Teve de esperar mais de sete meses até constar na lista de pessoas autorizadas a sair do país. “Disse adeus à minha mãe e ao meu pai mais de 50 vezes”, contou-nos. Por fim, conseguiu. Deixou a sua família para trás. Não tem esperança de poder voltar.
Hoje, Awni Farhat vive em The Hague, nos Países Baixos, onde completou o seu mestrado em Direitos Humanos e resolução de conflitos. Em Gaza, foi ainda coordenador de projetos no Palestinian Center for Democracy and Conflict Resolution.
Esta entrevista foi gravada no final de Junho, quando dois dos barcos da coligação Flotilha da Liberdade, uma campanha internacional que tem como objetivo desafiar o bloqueio em Gaza navegando até lá de barco, estavam atracados em Cascais. Awni era um das dezenas de ativistas de todo o mundo que se juntaram à tripulação e um dos poucos palestinianos. Fez a viagem no barco Al Awda, que significa O Retorno, em árabe, e desembarcou em Itália, antes de todos os barcos da Flotilha terem sido parados pelas autoridades, os ativistas a bordo presos e alguns já deportados.
Texto, preparação, entrevista e captação de som: Ricardo Esteves Ribeiro
Edição de som: Bernardo Afonso