‘Marauder’, dos Interpol, é a banda-sonora de Nova Iorque a preto e branco
Os Interpol fazem parte de toda uma vaga de música que surgiu em Nova Iorque nos primeiros anos do milénio, a par com LCD Soundsystem, TV on the Radio, Yeah Yeah Yeahs ou The Strokes, num fenómeno documentado no livro de Lizzy Goodman, Meet Me In the Bathroom (2017). Depois do EP Fukd I.D. #3, que depressa se tornou num tesouro para coleccionadores, os Interpol lançaram o álbum de estreia Turn on the Bright Lights (Matador, 2002), altamente aclamado pela crítica e que os colocou como os representantes máximos do pós-punk, muitas vezes comparados com os Joy Division ou New Order, mas com um som que, não sendo especialmente inovador, lhes valeu o estatuto de banda de culto. Paul Banks, Carlos D., Daniel Kessler e Sam Fogarino gravaram o disco de estreia ao estilo das bandas dos anos 70, no meio de sexo, drogas e muito álcool, sem que isso lhes tirasse a profundidade musical, as intrincadas letras de Paul Banks e a fantástica e característica linha de baixo de Carlos D. Os concertos dessa altura são o reflexo dos excessos que se viviam, numa fusão quase perfeita de glamour e decadência, nostalgia e melancolia.
Seguiu-se Antics, de 2004 que, mesmo com o peso de um álbum de estreia excelente, firmou os Interpol como banda de culto para massas. Mas foi ao terceiro álbum, Our Love to Admire (2007), que os Interpol quiseram ser estrelas de rock ao jeito dos U2 e lançaram hinos para encher estádios, retraindo os fãs que apreciavam o som cru e complexo dos primeiros dois álbuns. Os períodos que se seguiram foram menos interessantes, em 2011 lançaram Interpol, que não conquistou a crítica e que é claramente desinspirado, e a banda começou, finalmente, a voltar às origens com El Pintor, de 2014, que não passa da mediania.
Depois de uma magnífica digressão de comemoração dos 15 anos do álbum de estreia, que esgotou muitas salas por essa Europa fora, o burburinho entre os fãs instalou-se e a espera para um novo álbum parecia, finalmente, estar a terminar. Com singles de avanço que, embora não surpreendessem, apelavam à curiosidade, Marauder chegou a 24 de Agosto no meio da mais imponente campanha de marketing e com dois videoclips com estrelas do mundo da representação, nomeadamente Ebon Moss-Bachrach em “The Rover” e Kristen Stewart em “If you really love nothing”.
Os 44 minutos de Marauder são difíceis na primeira audição. Os dois interlúdios pouco ou nada acrescentam, o ritmo forte e constante da bateria e algumas escolhas mais arrojadas na mistura (e por vezes pouco felizes) podem ser obscuros num primeiro contacto, com desejos profundos de pausar a audição. Mas é na última música, “It Probably Matters”, plena de mágoa, ressentimento e tonalidades de crise existencialista na voz sussurrada de Paul Banks, que queremos voltar ao início e ouvir novamente todo o álbum para o percebermos e assimilar.
A essência, aquela que permeou o início da banda, voltou agora em força, criando em cada um dos temas bandas-sonoras para a imagética que as letras de Paul Banks nos sugerem. Se ao nível instrumental, os Interpol não apresentam grandes inovações sonoras (destaque claro para a bateria de Sam Fogarino como o elemento mais forte de Marauder), ao nível das letras, Paul Banks traz todas as suas influências de Henry Miller e Bukowski para uma escrita masculina, emotiva e, algumas vezes, libertina.
Se “If you really love nothing” nos fala das exigências actuais de amabilidade forçada ou da vulnerabilidade pessoal com “If you really love nothing, everybody’s made up, everybody’s losing”, “The Rover” explora um líder carismático, problemático e hedonista, numa quase complementaridade entre seguidor e seguido nos dois temas que abrem o disco. Temas como “Flight of Fancy” e “Number 10” exploram histórias de amor, de affairs com chefes e mulheres mais novas, de lamentos de um(a) amante. É na imagética Black Mirror-esque de “Surveillance” que reside um dos pontos altos de Marauder; é na cadência da melodia de “It Probably Matters”, perfeita banda-sonora para a nossa próxima viagem a Nova Iorque, perfeita banda-sonora para momentos de exasperação, solidão, redenção e leve comiseração, que encontramos o porto seguro na vulnerabilidade pessoal que os Interpol nos obrigam a procurar.
Não é o álbum perfeito dos Interpol, mas é o álbum de crescimento, de maturidade, de entrada na meia idade, com sobriedade e aceitação. Não trará uma nova legião de fãs aos Interpol, mas não deixará fugir os actuais, mesmo que tenhamos de ouvir Marauder uma e outra vez até percebermos a intrincada complexidade de palavras e de sons do colectivo nova-iorquino. E leva-nos à constatação que, 20 anos depois das primeiras demos, os Interpol continuam a fazer tanto sentido como no primeiro dia.