‘Take Shelter’: a solidão do ser humano entre a realidade e a ficção
Pvt. Witt: Do you ever get lonely?
First Sgt. Edward Welsh: Only around people.
O ano é 1998, o filme chama-se “Thin Red Line” e o realizador é Terrence Malick, especialista em criar filmes poéticos não só ao nível de argumento, mas também visualmente. Este pequeno diálogo entre os personagens de Sean Penn e Jim Caviezel ilustra de forma simples aquela que é uma das sensações/sentimentos mais horríveis que o ser humano pode sentir: a solidão no meio de uma multidão. A verdade é que pode acontecer que quantas mais pessoas temos ao nosso redor mais insignificante é a nossa voz, as nossas vontades e pensamentos. O que espanta é a forma simplista como Malick consegue ilustrar um sentimento de forma tão simples, bem ao nível dos maiores poetas da história, algo que para nós, portugueses, é tão familiar.
Jeff Nichols é um realizador um pouco diferente de Malick. Apesar dos seus temas estarem fortemente ligados à cultura americana do centro/sul do país, assim como Malick, a forma como filma e explora essas temáticas é algo diferente. Ambos os realizadores partilham a forma como exploram laços entre seres humanos, sejam eles parentescos ou amorosos, e também a forma como o desespero humano está presente em quase todos nós, de formas tão diversas e com resultados tão imprevisíveis.
“Take Shelter” conta-nos a história de Curtis, um homem de família com um trabalho simples, mas exigente. A determinado momento, Curtis começa a ter visões e sonhos apocalípticos. Sem conseguir distinguir a realidade da ficção, Curtis entra numa espiral de emoções que o levam a questionar a sua sanidade e a sua realidade. De forma maníaca e obsessiva, inicia a construção de um abrigo contra um possível apocalipse, chocando com quase todas as pessoas que se preocupam com ele, a sua mulher, a sua filha, o seu amigo e todos os que o rodeiam de forma mais impessoal. Nichols convida Michal Shannon a libertar toda a sua expressividade e raiva através do personagem de Curtis, um homem perturbado pela doença mental da mãe e pelo medo de também ele poder ter problemas psicológicos.
Jeff Nichols explora assim o desespero humano e o confronto entre obsessão, medo e solidão de forma incrível, tal como Malick, intercalando os momentos dramáticos com outros de grande compaixão, de forma a absorver o espectador para um buraco negro com muito pouca esperança. Shannon é excelente no papel de Curtis. Estamos a falar de um dos melhores actores dos últimos 10 anos, que tem surpreendido em cada interpretação e evoluído ao um nível supreendentemente rápido. Jessica Chastain, tal como em “The Tree of Life” interpreta uma mulher que é pressionada e prejudicada pelos problemas pessoais do marido, fazendo lembrar alguns papéis da brilhante Jessica Lange, num misto de ingenuidade, beleza e pulso forte, catapultando a mulher para um local mais relevante no seio familiar americano.
Um dos pontos fortes do cinema de Jeff Nichols é a referida exploração dos limites humanos através de situações drásticas e desesperantes, e desse ponto de vista era quase impossível encontrar melhores actores que Shannon e Chastain. Até que ponto é que conseguimos distanciar a realidade da ilusão? O medo do conforto? Para Curtis o medo simboliza perder não só a sua capacidade de individual de liberdade, mas também a sua família, ou seja, quase todo o propósito de viver. Desta forma é fácil qualquer espectador relacionar-se com o actor principal, sendo que Nichols nos coloca diversas vezes no papel de Curtis, através de pequenos simbolismos familiares, desde a forma como encara o facto da sua filha ser surda e muda, ao facto de perder o trabalho, o amigo de longa data, a mulher ou a sanidade.
“Take Shelter” não é um filme fácil de digerir e coloca diversas questões interessantes. Até que ponto é que somos capacidades de ajuizar a nossa própria sanidade? O que devemos fazer para nos protegermos e aqueles de que gostamos de situações que podem existir apenas na nossa cabeça, mas que acreditamos com toda a força? “Take shelter” é um forte exemplo de amor e principalmente de individualidade, de uma solidão que existe apenas quando estamos rodeados de outras pessoas que por algum motivo não acreditam em nós, ou não vêem a vida da mesma forma. E é exactamente através desse caminho que “Take Shelter” se cruza com “Thin Red Line”, através do isolamento do personagem principal no meio de tantas outras pessoas, levando o debate para o campo social e humano. Até que ponto é que as sociedades humanas integram as individualidades e não deixam cada habitante no esquecimento?
Todos estes problemas e questões são frequentes em grandes metrópoles e identificam uma característica bastante própria dos seres humanos: quanto mais nos juntamos, mais vemos o quão diferentes somos, e quanto mais nos distanciamos, mais vemos o quão idênticos podemos ser.