Vânia Dias da Silva: “Deve deixar-se ao bom senso dos deputados perceber até onde podem ir”
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“É com prazer que anuncio que Maria Luís Albuquerque irá juntar-se à administração como diretora não-executiva. Como deputada do Parlamento português, que já desempenhou cargos de topo no Ministério das Finanças e do Tesouro público português, Maria Luís irá contribuir com uma vasta experiência internacional e no campo da gestão da dívida”. Esta declaração, citada pelo Observador, é atribuída a Jonathan Bloomer, presidente do Conselho de Administração da Arrow, em março de 2016, através de um comunicado de empresa. A ex-Ministra das Finanças do governo de PSD e CDS-PP e atual deputada à Assembleia da República (AR), pelo PSD, foi contratada como diretora não-executiva na financeira britânica Arrow Global, que tem clientes como os bancos Santander, Banif, Millennium BCP, Banco Popular, Montepio, Finibanco, Crédito Agrícola, Cofidis, entre outras empresas.
A polémica estalou. Jerónimo de Sousa, Secretário Geral do PCP e deputado, falou de uma “escandalosa promiscuidade entre poder político e grupos económicos” e “de uma evidente colisão com o interesse nacional”. Carlos César, presidente e líder parlamentar do PS, disse, citado pelo Observador: “Não posso deixar de dizer que é no mínimo embaraçoso para a política e para a Assembleia da República que alguém nessa circunstância possa tão rapidamente ter exercido uma tutela e uma relação que não deixou de confinar com os interesses dessa empresa e passar a trabalhar para essa empresa logo a seguir”. Maria Luís Albuquerque tinha sido ministra das Finanças, tutelando, portanto, a indústria onde a Arrow atua, apenas quatro meses antes.
Mas a deputada foi peremptória na resposta: nesse mesmo dia, em comunicado, afirmou não existir qualquer incompatibilidade ou impedimento legal na sua nova função. E, um mês mais tarde, voltou a defender a sua posição: “Se eu vou aprender mais e valorizar-me, de que forma é que isso pode prejudicar a minha actuação enquanto política? Quanto mais eu souber, mais conhecimentos eu tiver, melhor será a minha qualidade enquanto política”.
Uma petição assinada por 1298 pessoas foi entregue na AR, pedindo a demissão da deputada e, pouco tempo depois, um parecer, aprovado por maioria na Subcomissão de Ética do Parlamento – com votos a favor do PSD e CDS, votos contra do BE, PCP, e abstenção do PS -, dava razão à visada: “não existe incompatibilidade ou impedimento no exercício do cargo”.
O Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos, estabelecido pela lei n.º 64/1993 (que teve uma série de alterações até 2011) diz, no seu artigo 5.º – Regime aplicável após cessação de funções – “1 – Os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de três anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado, desde que, no período do respectivo mandato, tenham sido objecto de operações de privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual”.
Mas o BE e o PCP querem alterá-lo: os dois projetos de lei entregues na AR (aqui e aqui) pela altura da contratação de Maria Luís Albuquerque, tornariam ilegal a decisão da ex-ministra, encurtando o artigo 5º, ponto 1, para apenas: “Os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de cinco anos [no caso do PCP; seis anos, no caso do BE] contado da data da cessação das respetivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam atividades no setor por eles diretamente tutelado”.
Vânia Dias da Silva, eleita deputada do CDS-PP pelo círculo de Braga, em 2015, considera que os diplomas dos dois partidos são “dirigidos” à ex-ministra e que, no campo das incompatibilidades, “deve deixar-se ao bom senso dos deputados perceber até onde podem ir”.
Nesta entrevista, gravada no dia 1 de outubro, conversámos com a ex-Subsecretária de Estado Adjunta do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e do Vice-Primeiro-Ministro, Paulo Portas, no XIX Governo Constitucional, liderado por Pedro Passos Coelho, sobre incompatibilidades e impedimentos e que regras devem existir para garantir que não existem conflitos de interesses na produção de leis ou na execução das políticas governamentais, e também sobre lóbi e a possibilidade de ser legislado e regulamentado em Portugal.
Texto e entrevista: Ricardo Esteves Ribeiro
Preparação: David Crisóstomo (Hemiciclo) e Ricardo Esteves Ribeiro
Som: Bernardo Afonso
Vídeo: Bernardo Afonso e Frederico Raposo