O calor e ruído dos Unknown Mortal Orchestra na Aula Magna
Não é todos os dias que temos a experiência de assistir a um concerto num auditório de uma universidade, muito menos um concerto rock. Mas foi exactamente isso que aconteceu na passada terça-feira, quando os Unknown Mortal Orchestra pisaram o palco da Aula Magna da Universidade de Lisboa. Não sabíamos como o espaço de respeito se adequaria aos concertos electrizantes que a banda neozelandesa costuma proporcionar, mas acabou por funcionar bastante bem. O som acabou por se adaptar ao espaço e, quando tal não acontecia, adaptava-se o público ao som, erguendo-se das cadeiras quando a música assim o exigia – nomeadamente na bastante celebrada “Multi-Love”, que fechou o concerto antes do encore. Mas não corramos já para o final.
Antes de Ruban Nielson e companhia, quem tomou o palco como seu foi Iguana Garcia e a sua música híbrida. A guitarra tinha um jeito funk e as teclas evocavam psicadelismo, mas foram as batidas programadas as personagens principais das canções. Os ritmos ora mais lânguidos, ora com mais ímpeto enchiam a sala, juntando-se ao burburinho entusiasta do público – que indicava alguma desatenção para com a música que tocava, mas de certa forma elevava-a, como se as canções tivessem mesmo sido feitas para ambientes em que a descontracção puxa a conversa. O momento que obriga a virar o foco para o palco é “60KF”, a grande canção de Iguana Garcia, com aquela frase que ficamos a remoer após ter terminado (“Eu já pensei em deixar de ser feliz, para ser normal”) e a batida dançável envolvente. É o grande statement do concerto e abre o apetite para o que vem a seguir.
Poucos minutos depois das 22, os Unknown Mortal Orchestra sobem ao palco e atiram-se logo a “From the Sun”, de II, o álbum que os pôs na linha da frente do indie do início dos anos 10. A canção é altamente bem recebida e o público fica logo embevecido ao ouvir o tom R&B que Ruban imprime na sua voz, que recebemos sob a forma de solfejos afectados. Esta é uma das imagens de marca dos concertos dos Unknown Mortal Orchestra, assim como os solos de guitarra prolongados – por vezes desinteressantes, por vezes expansivos. A primeira canção demonstrou ambas as vertentes, mas antes que pudéssemos cair na redundância, o guitarrista contorna a situação – literalmente – e leva a guitarra consigo para caminhar pelos corredores da plateia enquanto toca, apenas parando para beber um shot com a sua equipa de tour. O ambiente aligeirou-se ainda mais.
A banda caprichou nos sucessos logo no início, abrindo de forma forte o concerto e entusiasmando o público. Mesmo depois de “From the Sun”, ficámo-nos pelo início de carreira com “FFunny FFrends” e “Swim and Sleep (Like a Shark)”. São canções leves, que concentram em si um calor muito característico, proveniente da sua produção lo-fi. A segunda sofreu uma pequena transformação ao vivo, com um abrandamento da progressão melódica da guitarra na bridge, só para voltar ainda mais encantadora nos versos que se seguem. A voz colocada na frente da música – ao contrário da versão de estúdio – também lhe dá um toque mais cativante. Depois de ter sido ignorada no concerto que a banda deu, ainda este ano, no NOS Primavera Sound, ouvir a canção nesta noite foi como um bálsamo.
O mais recente álbum que os Unknown Mortal Orchestra lançaram foi o instrumental IC-01 Hanoi, do qual nos deram um pequeno lamiré sob a forma de outro de mais uma das canções mais celebradas da banda, “So Good at Being in Trouble”. No entanto, Sex & Food foi o grande mote para este regresso. Após apresentar o conjunto que tocava consigo – composto pelo pai Chris Nielson nas teclas e sopros, o irmão Kody Nielson na bateria e o companheiro de banda Jake Portrait no baixo – atirou-se então ao ruído de algumas das canções mais aguerridas de Sex & Food. “Major League Chemicals” e “American Guilt” soaram um pouco lineares e pouco dinâmicas, devido à distorção opressiva das guitarras. Serviram mais para comprovar o talento de Kody na bateria, que as manteve coesas quando pareciam estar prestes a quebrar.
“Not in Love We’re Just High” veio amenizar as coisas, com mais uma oportunidade para Ruban demonstrar os seus dotes vocais – desta vez no meio do público, sentado num lugar vazio dos assentos doutorais, enquanto assistia à sua própria banda a tocar. A canção tem uma componente feel good e já dá ares de se transformar numa favorita dos fãs em breve. O encore seguiu a tendência relaxada, com a batida constante de “Hunnybee” a incitar o público a abanar-se. A apoteose veio com “Can’t Keep Checking My Phone”, que fechou um concerto surpreendentemente curto com muita energia e evidenciou a adoração do público português pelos Unknown Mortal Orchestra.