O corpo delas, as regras deles
O que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de media independente, progressista e dissidente e foi originalmente publicado em www.fumaca.pt.
[Transcrevemos toda a reportagem, incluindo a tradução, para português, das declarações, citações e diálogos em inglês e espanhol. Clica aqui para leres.]
My body, my rules. Ou, em português, “O meu corpo, as minhas regras”. Em Portugal, as mulheres podem decidir interromper voluntariamente a gravidez, durante as dez primeiras semanas de gestação. Cá e em dezenas de outros países. Mas é preciso não esquecer que esta é, ainda, uma realidade recente, e que até há bem pouco tempo, as mulheres em território nacional não tinham o direito a decidir. Só em 1968 foram eliminadas as discriminações de género em atos eleitorais. As conquistas sobre o próprio corpo são ainda mais recentes e sinalizam uma reivindicação global longe de estar finalizada.
Em Portugal já não é assim, mas há lugares em que um aborto espontâneo significa prisão, onde uma interrupção voluntária da gravidez (IVG) – um aborto – vale 14 anos de encarceramento. Era esta a moldura penal máxima prevista, até este ano, na Irlanda – país membro da União Europeia (UE) -, pela realização de um aborto em condições ilegais – o mesmo que dizer sempre que a vida da mulher não se encontrasse em risco. E mesmo as conquistas podem, mais tarde, dar lugar a retrocessos.
No Brasil, algumas propostas levadas a Congresso visavam proibir o acesso ao aborto mesmo em casos em que a vida da mulher estivesse em risco, ou em casos de violação – os casos em que a lei brasileira atualmente prevê o acesso legal à IVG. As conquistas, mesmo as mais limitadas, não são, pois, irreversíveis, como se demonstra. Portugal faz parte de um lote privilegiado de países que asseguram às mulheres o acesso ao aborto seguro, sem restrições, desde que realizado até às dez semanas de gestação.
Fomos convidados a estar numa conferência organizada pela Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro, realizada em Lisboa, no passado mês de setembro, que juntou cerca de 110 ativistas e especialistas de todo o mundo. Fomos o único meio de comunicação social português presente e falámos com mulheres que lideram a luta pelo acesso ao aborto seguro, um pouco por todo o mundo.
Da Irlanda – que aprovou este ano, em referendo, o acesso à IVG até às 12 semanas de gestação – às Filipinas – país em que é proibido e criminalizado em qualquer circunstância -, procurámos traçar o estado presente dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres a nível global. Em 2014, o Centro para os Direitos Reprodutivos – uma organização internacional que luta juridicamente pela saúde e direitos reprodutivos em todo o mundo, mostrava como mais de 60% da população mundial continuava sem poder aceder ao aborto seguro sem restrições. Em 2017, o cenário não tinha melhorado muito.
Até que todas tenham os mesmos direitos e garantias, a regra parece continuar a ser “o corpo delas”, mas “as regras deles”. Até quando?