“Shoplifters” é um murro no estômago
O LEFFEST’18, Lisbon & Sintra Film Festival 2018, começou a 16 de Novembro, e vai até 25 de Novembro, e foi lá que vimos este “Shoplifters”, de Hirokazu Koreeda.
Estarão a bondade e a moralidade dependentes das circunstâncias? Este poderia ser uma das formas de apresentar sucintamente a temática deste filme. Ao fazer esta pergunta tendo a ter já uma resposta formulada. Até a forma como cada um de nós se posiciona e julga os outros e as suas respectivas acções, está dependente de um contexto, do lado da barricada em que nos encontramos. É exactamente por isto que faz todo o sentido ter esta discussão. E a magnificência de “Shoplifters”, do realizador Hirokazu Koreeda, assenta na forma como é explorada esta temática, na forma como nos é contada a história, de forma leve, um quanto cómica; mas que, no fim, nos choca e nos faz pensar.
O aclamado realizador japonês já criou inúmeras obras cinematográficas cujas temáticas centram-se na sociedade, desde a parentalidade ao sistema judicial, colocando sempre em causa as nossas próprias opiniões, a nossa própria moral. Com “Shoplifters”, somos confrontados com a realidade de uma família cujas relações de sangue são nulas e as conversas andam maioritariamente à volta do dinheiro e de novos esquemas para subsistir, sempre através de formas moralmente erradas e ilegais. Apesar disto, tendemos a nutrir um carinho por todos os que vivem naquela casa, pelo menos no início.
O primeiro acto do enredo pode ser descrito da seguinte forma: uma noite, a caminho de casa, Osamu e Shota – um género de pai e filho – encontram uma menina a morrer de frio na varanda onde morava. Assim, decidiram leva-la para casa para lhe dar de comer e aquecê-la. E é com esta menina de 5 ou 6 anos que o caminho de redenção para aquela família e o caminho da moralidade para o público começam. Este é o primeiro verdadeiro acto do enredo. Para eles, é a verdadeira boa ação que fazem, sem quaisquer segundos objectivos, uma bondade humana. Para nós, é a partir desse momento que começamos a questionar a moral e a ética das personagens e de nós mesmos, como também colocamos em causa a forma como está estruturada a sociedade.
No contexto de violência infantil por parte dos pais, o que um pequeno grupo de ladrões pode fazer? Porém não é só disso que se trata. Assim, seria demasiado fácil escolher um dos lados, era fácil de distinguir o preto do branco. Trata-se, sim, de uma família que lhe dá amor, ao mesmo tempo que a utiliza nos seus pequenos furtos, exactamente porque as pessoas normalmente não dão muita atenção a uma criança. É com esta balança entre o errado e o certo que as próprias personagens, no fim, têm de julgar as suas ações, de uma perspectiva exterior. Porque, apesar de lhe terem dado o que ela não tinha no momento – pais que a amassem e que lhe dessem o mínimo que um ser humano precisa e merece -, tiraram-lhe um futuro digno, em que a escola não era uma opção (só quem não consegue estudar em casa é que precisa de ir para a escola) e a criminalidade, por mais pequena que fosse, seria o futuro dela.
O segundo acto da intriga é a morte da avó. O facto de a terem enterrado debaixo da casa, dando como desculpa a falta de dinheiro para o funeral, a forma como os mais velhos seguem em frente e procuram friamente pelo dinheiro guardado pela senhora caracteriza o colapso das relações familiares e mostra o que os ligava verdadeiramente: o dinheiro, pouco mais do que isso. Ao contrário do primeiro acto, aqui começamos a duvidar da compaixão das personagens, até da própria falecida, algo irónico.
Assim, sai-se da sala de cinema com um nó no estômago, com indecisões e com mais perguntas do que respostas. E esta é uma excelente forma de qualificarmos um bom filme: um murro no estômago. Não poderia deixar de enfatizar a beleza e naturalidade com que os actores representaram os vários lados da moeda, as pequenas e diversas intrigas, no meio de um aparente amor incondicional numa casa desarrumada e apinhada. Bravo!
“Shoplifters” estreia nos cinemas portugueses a 22 de Novembro.