Lambarices e Portugal com (e sem) touradas
É possível, não que isso retire importância ao assunto, que a maioria dos cidadãos, incluindo-me, não saibam como é financiado o Orçamento Participativo e para que projectos é que é direcionado o respectivo dinheiro. Nesta edição, tivemos três propostas vencedoras de âmbito nacional que, ou por distinção ou pela sua incompatibilidade com uma terceira proposta, descredibilizam o programa em questão e, bem pior do que isso, contribuem para o dinheiro, mais uma vez, ser mal investido – algo tão português como ir ao estrangeiro jantar num restaurante português.
Comecemos, portanto, pela proposta que eu premeio com o galhardete de distinção. A proposta criativa e de génio (Feira das Lambarices) propõe “um mega evento cultural que consiga atrair bastantes pessoas para que seja possível promover os nossos doces nacionais”. Para além de já existirem diversas feiras e festas pelo país fora que promovem os produtos nacionais, é uma medida que não contribuiu realmente para a melhoria das condições da sociedade como um todo ou para uma determinada região ou comunidade, sendo esse o objectivo do Orçamento Participativo.
A segunda proposta, “Tauromaquia para Todos”, propõe a “criação de um programa de difusão de informação e conhecimento sobre a cultura tauromáquica de Portugal…”. Apesar de ser a favor da descentralização do nosso país, que pode passar pela partilha de conhecimentos e tradições, sou fortemente contra o mesmo ocorrer com a tourada e outras actividades relacionadas, por diversas razões. Em primeiro lugar, já são investimentos milhões de euros ao longos dos anos nas actividades tauromáquicas por diversas câmaras e municípios, exactamente com o objectivo de preservar a cultura dessas mesmas regiões, a maioria (se não todas) rurais. Em segundo lugar, na edição anterior já tinha ganho um projecto, também a nível nacional (contando com 200 mil euros), intitulado de “Tauromaquia, Património Cultural de Portugal“. O objectivo do mesmo é “dar início ao processo de inventariação e classificação dos elementos relevantes que caracterizam a cultura tauromáquica”, algo que pode já ser feito pelo próprio estado, através das suas respetivas instituições locais ou por académicos, sendo a segunda muito comum no interior do nosso país e que não tem necessariamente que acartar com custos elevados.
O último vencedor, no meio dos outros dois, parece ser o que foi pensado com mais cabeça e que, curiosamente, propõe o mesmo do que o que anteriormente referi, só que no sentido exactamente oposto, “Portugal sem Touradas”. Para além de um texto explicativo mais denso, é interessado que foi definido por categorias como “Juventude” e “Educação” e terem uma página que lhes dá força e que corrobora com as suas intenções.
O que realmente despertou o meu interesse é o facto de estas últimas propostas serem opostas uma da outra. Para além de mostrarem uma sociedade fracturada, demonstra que o Governo não tem coragem para tomar uma medida, algo visível com as recentes polémicas da ministra da Cultura versus alguns deputados do PS, relativamente ao IVA baixar para 6% na tauromaquia. Como é que o mesmo dinheiro pode ser repartido para duas resoluções opostas? Será isto um género de Prós e Contras em que cada um puxa para o seu lado e ninguém chega a uma conclusão, cada um de nós fica no mesmo lado em que já estava a priori da discussão?
Independentemente da minha opinião relativamente às touradas (facilmente depreendem qual será), esta situação é uma fotografia clara da nossa sociedade. Este é um assunto que tem mais importância do que aquela que lhes estamos a dar e que, com o passar do tempo, só irá aumentar os radicalismos e esvaziar o centro, os indecisos ou neutros. Se calhar deveríamos estar mais atentos à forma como o dinheiro do Orçamento Participativo é investido, porque devia ajudar a sociedade, através de uma votação, a progredir em diversas áreas: da ecologia e agricultura à cultura ou ao apoio de determinadas faixas etárias. Para além disto, deve existir uma adesão maior ao voto (votaram no total 120 000 pessoas) e seria importante, um desejo pessoal, acabarmos de uma vez por todas com esta discussão.
Pela internet, neste momento, anda a circular um pedido de assinaturas para levar este tema à Assembleia Nacional para, no fim da estrada, ser votado através de Referendo, algo em que ainda não tenho uma opinião formada.