O problema de Jordan Peterson
A primeira vez que assisti a um dos vídeos de Jordan Peterson lembro-me de ter tido uma reacção quase instintiva de que este homem era de um conservadorismo estranho nos dias que correm. Só após um debate com um amigo que concorda com o controverso professor de psicologia em Toronto, decidi investigar para saber concretamente o que ele defende.
O meu problema começou quando o ouvi falar de género. Jordan Peterson acha que os homens e as mulheres são diferentes psicologicamente e que esta diferença é causada não pelo ambiente que nos rodeia, a sociedade em que vivemos, mas sim pelas nossas diferenças biológicas. Enquanto mulher, ao ouvir isto, mil campaínhas de alarme soaram – então não tínhamos já passado a fase de achar que os homens é que são os racionais e nós somos loucas? Respirei fundo e continuei a ouvir. Ele diz que “as mulheres, por estarem feitas para cuidar de um bebé pequeno, têm que ser mais afáveis” e que por contraste “um homem tem que ser mais assertivo ocupando-se da educação do jovem adulto”, visto que nós mulheres estamos programadas para lidar com crianças.
A psicologia é uma ciência social e como tal funciona através da análise de dados estatísticos e sugestão de hipóteses que traduzam esses dados e eventuais experiências que os confirmem. Segundo este princípio, Jordan Peterson diz-nos que de acordo com dados estatísticos a maioria das mulheres apresenta resultados mais altos em afabilidade e os homens em assertividade. Ele acrescenta ainda que isto explica porque é que há mais mulheres enfermeiras e médicas, e mais homens engenheiros e em altos cargos de responsabilidade – estamos todos a escolher aquilo que se alinha mais com a nossa personalidade. Contrapondo o argumento da teoria oposta, ou seja, que estas diferenças se devem à nossa vida em sociedade e à cultura em que vivemos, ele refere que na Suécia, país mais próximo da igualdade de género, as mulheres ainda assim continuam a escolher carreiras ligadas à medicina e os homens escolhem carreiras ligadas à engenharia.
Dos vários problemas que vejo nesta conclusão (apesar de tudo a Suécia não é ainda um estado completamente igualitário, falhando como grupo de controlo, por exemplo), o maior, a meu ver, é ignorar o seguinte: correlação não implica causalidade. O facto de vermos uma correlação ao compararmos as escolhas que os homens e as mulheres fazem com a sua personalidade não nos indica sem sombra de dúvida que isso se deve às nossas diferenças biológicas.
Em suma, Jordan Peterson está só a defender a sua hipótese e a irritação geral à volta dele preocupa-me. Preocupa-me viver num mundo onde o debate de ideias é cada vez mais difícil: quem como eu discorda dele tipicamente irrita-se e insulta-o por defender valores conservadores; quem concorda com ele não analisa as suas próprias inclinações cognitivas – quando acreditamos que algo é verdade aceitamos tudo o que confirme a nossa crença. Isto só traz mais desinformação – quem concorda vê a sua opinião confirmada porque quem discorda não é capaz de questionar de maneira lógica que obrigue a esclarecer para nós e para os outros o que ele de facto defende. Parece que estamos todos demasiado sensíveis a opiniões contrárias às nossas e perdemos a capacidade de argumentar. Talvez no fundo tenhamos demasiado medo de nos confrontar pois poderemos descobrir o quão frágeis e incongruentes somos.
Esta maneira de encarar a vida não só é pouco interessante do ponto de vista do debate de ideias como é perigosa. Mais do que nunca temos provas de que menosprezar e ignorar pessoas que têm opiniões e valores contrários aos nossos é um erro. Só ao tentarmos concretizar o ponto de vista dos outros poderemos realmente descobrir o nosso.
O debate é importante porque nos revela quem nós somos e quem os outros são. Mais do que nunca temos que ter a coragem de nos confrontar. Quer se concorde ou discorde de Jordan Peterson, ele dá-nos a oportunidade de analisarmos o que defendemos e porque o defendemos e lembra-nos a todos o quão importante é a liberdade de expressão e o quão ameaçador é o nosso medo de opiniões contrárias.
Crónica de Rita Ribeiro
Nascida em Lisboa, cresceu em Oeiras onde se encantou pela ciência, que por tortuosos caminhos a fez seguir Engenharia Química. A paixão por lugares e gente diferente levou-a à Bélgica, onde agora tenta descobrir que caminho seguir. Os seus interesses incluem a dança, literatura, cinema e filosofia.