Quem disse que o pole dance é só para mulheres?
Estão determinados a derrubar estereótipos. No varão encontram a liberdade do movimento. Dois ou três carrosséis, uma inversão split e para finalizar uma flag pole. Eles fazem tudo isto. E muito mais. Os tempos estão a mudar. Os homens também dançam no varão.
Na Ménage há dança no varão com striptease. No Viking há striptease com dança no varão. Na Pensão Amor a história é outra. Deixou de ser uma casa de alterne desde 2011 e tornou-se num bar trendy junto daqueles que procuram beber um cocktail a meio da noite. O que continua a fazer parte da sua história é o varão. Entra-se na Pensão e ao fundo do corredor lá está ele no meio de uma sala forrada com papel de parede em tigrês e uma bola de cristais a girar non stop. No segundo piso está Marina May a terminar uma aula particular. Com ela a dança no varão é encarada como uma modalidade com níveis, regras e um elevado grau de exigência. E despir-se não é cá com ela. Diz que a imagem do pole dance está a mudar. Aos poucos, vai deixando de estar associada à prostituição. Mas nem sempre foi assim. “No início, quando a Pensão me contratou as pessoas que vinham ver as minhas atuações diziam, num tom histérico, para eu tirar a roupa. Quando começava a dançar, elas calavam-se e ficavam surpreendidas pelas acrobacias que conseguia fazer.” A dança no varão é uma modalidade federada pela International Pole Sports Federation (IPSF) com estilos para todos os gostos e feitios. Do acrobatic pole ao ultra pole, passando pelo exotic pole e pelo street pole. Movimento a movimento, tem conquistado uma legião de praticantes por todo o mundo. Quem já se deixou contagiar foi o sexo masculino que passou a ver nesta modalidade uma forma de praticar exercício físico. De ano para ano, os números têm aumentado. Segundos os dados da International Pole Sports Federation (IPSF), em 2016 participaram 22 homens no campeonato do mundo de pole dance e em 2018 estiveram em concurso 49. As federações e associações acompanham o crescente interesse do sexo masculino por parte da modalidade. Atualmente, existem 32 identidades que regulam e prestam apoio aos praticantes da arte do varão. “É um grande feito em apenas 10 anos. Queremos continuar a evoluir e a convidar os países a espalharem a modalidade a todas as pessoas, sem distinção de género e sexo.” Marina May tem homens a frequentarem as suas suas aulas e a fazerem parte dos seus espetáculos que acontecem uma vez por mês na Pensão Amor. Há quem pense que são só os homossexuais que praticam pole dance, mas a realidade contraria esse estigma. Marina May tem também homens heterossexuais com o “bichinho” do varão. “A imagem social do pole dance está a mudar. Quem não encara dança no varão como uma modalidade séria é ignorante.”
Na Academia de Pole Dance, no LX Factory, em Lisboa, a premissa é só uma: ensinar a dança no varão a homens e mulheres. Paulo Nogueira é um dos professores da escola. Teve o primeiro contacto com a modalidade há cinco anos atrás quando decidiu ver filmes de pole dance. Rapidamente se interessou pela componente desportiva do pole. Todas as semanas ía ao ginásio e, de vez em quando, jogava à bola com os amigos. Com a dança no varão conseguiu aquilo que ansiava desde que começou a praticar desporto: o desenvolvimento muscular. Mas não foi tarefa fácil. “Tive que treinar todos os dias. Eu tinha a força, mas faltava-me a flexibilidade. Se não tivesse sido persistente, não conseguia ter chegado até aqui.” É a falta de persistência a principal razão que impede o sexo masculino de praticar pole dance. “Não é um desporto fácil. As pessoas não estão habituadas ao esforço físico e à flexibilidade que é necessária. Muitos dos alunos acabam por desistir por causa desse ponto.” No meio de mais de 50 mulheres, há quatro homens a frequentar as suas aulas. Elas procuram a parte exótica, enquanto que eles se deixam encantar pelos movimentos acrobáticos. Paulo Nogueira já foi convidado para festas, casamentos e aniversários. “As pessoas ficam surpreendidas e o mais engraçado é que ficam pela positiva. Acabam por perceber que o pole não é o que pensavam.” O próximo destino de Paulo Nogueira é o campeonato de Pole Theatre, na Inglaterra, onde vai mostrar o que de melhor sabe fazer: dançar no varão.
Para Miguel Areias bastam uns sapatos de salto alto e um varão para se sentir realizado. O exotic pole é a vertente da dança no varão que mais o alicia. Nas suas performances nunca dança sem saltos. “Usar sapatos de salto alto facilita os movimentos. Costumo dizer que fazer exotic pole sem saltos é como fazer ballet sem pontas.” Não deixa ninguém indiferente. E até já chegou a ser considerado uma drag queen. Mas isso não o incomoda. Nem um pouco. Para preparar uma coreografia demora entre quatro a cinco meses. É preciso pensar nos passos, na música e no figurino. Inspira-se nas estrelas de pole dance internacionais e adapta as coreografias que vê na internet ao seu estilo pessoal. Depois, é treinar até atingir a perfeição. Miguel Areias prepara-se para trocar a cozinha pelo varão. Quer dedicar-se a 100% à modalidade. E quem sabe, um dia, tornar-se num praticante com currículo internacional.
João Afonso é um dos pioneiros do pole dance masculino em Portugal. Foi para Roma adquirir conhecimentos. E acabou por lá ficar durante um ano a dar aulas. Em 2016, depois de alguma insistência por parte da família e amigos, inscreveu-se no Got Talent Portugal. A atuação da prova inicial valeu-lhe o botão dourado de Pedro Tochas, encaminhando-o diretamente para as galas em direto. Não foi o único participante com destreza na arte do varão a concorrer na segunda edição do concurso. Com ele estavam mais dois pole dancers masculinos. “O Got Talent Portugal permitiu que a dança no varão chegasse a um maior número de pessoas. Foi um avanço positivo na modalidade porque ajudou a desmistificar alguns estereótipos.” Sempre que pode, pega nas malas, na paixão que tem pelo pole e viaja rumo ao estrangeiro para marcar presença em eventos e campeonatos. Já ficou em primeiro lugar quatro vezes. Um feito que o incentiva cada vez mais a aperfeiçoar a técnica e a procurar por novos materiais, como os tecidos e as cordas. Nas competições destaca que o mais difícil é o varão. “Ele está sempre a girar. Por isso é que, por vezes, não conseguimos fazer os exercícios. A esta dificuldade acrescenta-se também a destreza no manuseamento do varão. Eles não são iguais e mudam de competição para competição. Requer um grande nível de adaptação.” O pole dance não é financiado, sobrevive pela iniciativa dos participantes. “Sou eu que tenho que arranjar as verbas. Não temos uma máquina publicitária musculada que sustente todos os custos. Há pouco tempo, a Prozis e a MANZ decidiram patrocinar-nos, mas não chega.” Como a dança no varão não é suficiente para pagar as contas ao final do mês, João Afonso é instrutor de fitness. No futuro quer introduzir o pole nos ginásios de forma a promover a modalidade como uma atividade física que “faz bem ao corpo e à mente.”
Os eventos, competições e espetáculos de pole dance são importantes veículos de divulgação da modalidade. O International Pole Art Festival (IPAF) é um evento de âmbito internacional realizado em Portugal com workshops e competições. Pela experiência do número reduzido de participantes masculinos nas edições anteriores, este ano as categorias foram mistas. “Os homens ainda têm o receio de dizer que praticam pole dance, mas quando estão dentro da modalidade percebem que faz todo o sentido fazerem dança no varão. É uma modalidade física como um treino no ginásio”, revela Sara Henriques, uma das mentoras do IPAF.
Gonçalo Viana foi o vencedor da categoria amadora do International Pole Art Festival. Com apenas 12 anos já tem um longo historial no mundo da dança. Entre o contemporâneo, o ballet e o jazz consegue ainda dedicar-se ao varão. As redes sociais aproximaram o jovem à modalidade. “Fiquei cativado com o pole dance através dos vídeos que vi no instagram. E decidi experimentar pela componente artística”. O seu dia-a-dia é passado na escola e na academia de dança Backstage, em Braga. Treina pole dance uma vez por semana. As aulas complementares de barra no solo são uma ajuda essencial para conseguir ganhar a flexibilidade necessária. Ao fim de 12 meses, conseguiu evoluir dos passos mais básicos para os mais avançados. “Saber que consigo fazer os mesmos movimentos que as pessoas dos vídeos que vejo nas redes sociais fazem é muito bom. Se não os conseguir fazer, vou lutar para um dia conseguir.” Quem o introduziu à técnica do varão foi Sandra Passinhas, professora e fundadora da Backstage. Segundo a própria, as pessoas ainda acham incrível ver um homem a dançar no varão, o que pode ser uma vantagem. “Há poucos homens a praticar pole dance, ou seja, há menos concorrência e eles conseguem boas pontuações. Acabam sempre por ficar mais beneficiados.”
Maio de 2018 é uma data importante para o pole dance nacional. Marta Stein, em conjunto com outros praticantes de dança no varão, criou a Associação Portuguesa de Varão Desportivo (APVD). O objetivo a longo prazo é tornar a APVD numa federação, criar ensino especializado m pole dance e promover a abertura de escolas em todo o país. Quando abordada sobre a adesão do sexo masculino à dança no varão, revela que esta segue a tendência da dança no geral. “A dança no varão é ainda uma novidade em Portugal. Acredito que com o crescimento da associação vão surgir mais apoios e os homens vão sentir-se incentivados experimentar a modalidade.”
Na Pensão Amor, prepara-se um novo espetáculo. É já no próximo mês que homens e mulheres vão levar até à Pensão a sensualidade no seu estado mais puro. Separar o striptease do pole dance é a grande missão de Marina May. Porque nas suas atuações de pole o ato de tirar a roupa não é bem vindo.
Na Academia de Pole Dance, Paulo Nogueira dá os últimos rodopiares. Para a semana vai treinar dois homens que querem aprender a técnica de manusear o varão. E assim, vai continuando a espalhar a dança no varão junto do sexo masculino.
E a dança continua. Para todos. Para mulheres e homens.