Montanhas Azuis: “Acabámos por fazer música muito intimista e faz sentido uma componente visual muito forte”
Montanhas Azuis são Norberto Lobo, Marco Franco e Bruno Pernadas, nomes fortes do panorama musical português contemporâneo. O projecto, até recentemente apenas devotado a apresentações ao vivo, verá o seu primeiro álbum ser lançado no próximo dia 15 de Fevereiro, data em que sobem ao palco da Culturgest para o apresentar ao vivo. Ilha de Plástico explora a dualidade da natureza e do plástico, através de paisagens coloridas compostas por sintetizadores analógicos. A Comunidade Cultura e Arte falou com Marco Franco e Bruno Pernadas acerca do projecto, do concerto de apresentação e da música tão invulgar que criaram.
Como surgiu o projecto [Montanhas Azuis]? Qual foi a sua génese?
Marco Franco: A génese do projecto começa entre o Norberto [Lobo] e eu, os dois a tocar, na casa dele ou na minha casa, a tocar nos sintetizadores e outros instrumentos que não os nossos primordiais, por assim dizer. E então, isto é uma coisa que já acontece assim há uns bons anos e fizemos uma ou outra aparição em concertos… isto em duo, ainda. Passados uns anos, falámos de novo em trazer este duo, fazermos alguma coisa de concreto, mas tínhamos a vontade de ter mais alguém, um terceiro elemento. Pensámos assim numa série de hipóteses e nunca convidámos propriamente ninguém, íamos falando e isso; até que, aqui há um ano e meio atrás – ou até quase dois, já não sei precisar bem – eu falei no Bruno Pernadas e o Norberto também disse logo: “claro, o Bruno!”. E assim foi. Falámos com o Bruno e ele disse “OK, ‘bora experimentar!”.
Qual acham que foi a mais-valia que o Bruno trouxe ao projecto, que não tinha como duo?
MF: O Bruno trouxe várias mais-valias, até porque veio validar também o nosso interesse em criarmos um trio, porque nós também gostamos muito, eu e o Norberto, sempre gostámos de trios. O trio é assim uma coisa meio… tem a ligação com a pirâmide e assim. Em duo também funcionava, mas em trio seria muito mais interessante em termos de expandir algumas ideias que tínhamos e sabíamos bem que o Bruno é multi-instrumentista, além de compositor. E foi assim.
O projecto surgiu um bocado na base da improvisação, não foi?
MF: Em duo, sim. Eu e o Norberto “jammávamos” imenso. Às vezes surgiam ideias em improvisações – ele [Norberto] estava sempre a gravar, às vezes mandava-me “olha, ouve isto aqui”. Paralelamente a isto, eu compunha muita música, sempre, como habitualmente faço; eu chegava ao ensaio e apresentava “olha, tenho aqui três temas ou cinco temas” e ficávamos a ensaiar. Portanto, há um misto aqui de canções que são temas que estão “escritos”, mas que depois chegam à sala de ensaios – falando agora na actualidade, em trio – que depois os arranjos são completamente feitos por todos e há alterações até chegarmos a uma concordância, até ficarmos seguros e dizermos “OK, este tema pede este determinado tipo de instrumentação ou efeito ou som”.
Então o processo de gravação teve a colaboração de todos em partes iguais, talvez.
MF: Completamente, sim.
Bruno Pernadas: A maior parte das músicas surgem através do Marco. Ele leva as músicas para os ensaios e nós, a partir das composições do Marco, trabalhamos em conjunto as ideias melódicas e estruturais da música.
Qual é a ideia por detrás d’A Ilha de Plástico? O nome tem alguma conotação ambiental?
MF: Agora tem, porque já nos referiram isso e certamente tem, mas esse título surge de um brainstorming grande para tentar definir o título para este álbum. Já havia uma faixa com esse título – que é a faixa que abre o álbum – e esse título de repente pareceu o mais adequado e que poderia dar uma espécie de… pode fazer um desafio qualquer que fosse interessante, porque é sempre complicado escolher um título que possa não sugerir algo, sendo uma exclamação ou uma frase. O Ilha de Plástico fica assim num misto, é uma coisa que existe já, é real, infelizmente; é uma concentração de resíduos tóxicos. Mas, neste caso, em associação às Montanhas Azuis, que é uma coisa muito mais onírica e lúdica, se quisermos, há esta… há umas montanhas azuis e há uma ilha de plástico, portanto há…
Há uma ligação, uma espécie de antítese…
MF: Sim, é uma antítese que fica um bocadinho em aberto, à escolha do leitor, neste caso.
BP: Eu também encontro uma relação que é o facto de achar que esta música… é claramente electrónica, mas também acho que é uma música que não é da cidade, para mim, é uma música que está mais relacionada com a aldeia e com espaços abertos; as ilhas normalmente estão nesses locais. O plástico podia ser uma ligação com a parte electrónica, e esse cruzamento que se faz acaba por se traduzir nesta música. Montanhas Azuis igual, é a mesma conotação, portanto também é possível fazer esta leitura em relação aos títulos.
O conceito visual das vossas sessões fotográficas também parece estar muito relacionado com a ideia de Ilha de Plástico e é muito apelativo. Qual foi a ideia de fazerem a sessão fotográfica daquela forma, vestidos daquela forma?
MF: Essa ideia parte do Norberto, em termos uma espécie de outfit que pudesse fazer uma união entre estes dois títulos, que estamos a propor enquanto título do álbum e nome de grupo. Foi assim uma coisa imediata, ele achou que podíamos experimentar e assim o fizemos. Mas depois também há outra componente visual, porque eu tive a oportunidade de fazer a capa do álbum – não o design, mas a parte da ilustração. Ainda houve oportunidade de o Bruno o poder ter feito ou o Norberto. O Bruno faz colagens, entre outras coisas, e o Norberto é um desenhador compulsivo. Eu sou um desenhador obsessivo-compulsivo e então eles depois disseram “não, faz tu”. Eu já tinha este desenho antigo e aquilo de alguma forma podia se relacionar com assim uma coisa meio abstracta, que pode lembrar umas montanhas azuis, porque a tinta de facto é azul. Depois, também haverá a componente do Pedro Maia, que irá colaborar no concerto de apresentação, onde irá animar imagens dele e minhas, pelas quais ele também se interessou. Pronto, esperemos que haja mais oportunidades onde ele possa também fazer isto; vai ser uma experiência de estreia, também para nós, porque ainda não vimos o resultado final. É aliciante esta ideia de podermos ter não só a música, como também a componente imagética.
O que é que podemos esperar dos concertos? Vão ser semelhantes, em termos de estrutura, àqueles que já foram feitos até agora?
MF: Não, vão ser totalmente diferentes. À excepção da… não, vão ser diferentes, sim.
BP: Em relação àquele concerto que tu viste nas MagaSessions, houve muitas músicas que nós tocámos lá que estão no disco e que sofreram uma transformação no processo de gravação, em que acabámos por mudar a estrutura das músicas e mesmo os instrumentos que tocavam as linhas melódicas. Portanto, esta transformação vai-se fazer sentir nesta estreia.
MF: Esse concerto [das MagaSessions] foi eléctrico, mas foi assim numa… a própria montagem que fizemos lá na casa foi assim uma espécie de laboratório, mais intimista.
Ao ouvir [o álbum] senti que não havia mais música em Portugal a soar assim. Não sei se concordam com esta afirmação, mas se calhar também era uma ideia vossa fazer algo completamente diferente daquilo que já foi feito.
BP: Não foi essa a premissa inicial de composição e criação colectiva, não foi, mas eu percebo que, de repente, acabámos de fazer uma música muito, não vou dizer minimalista, mas muito intimista, no sentido da junção dos instrumentos, o resultado que acaba por acontecer é uma música bastante… como é que eu hei-de explicar? Não é que seja intemporal, mas que habita um sítio especial que se calhar não é tão comum assim com os projectos que têm aparecido recentemente.
Há alguma influência que vocês consigam apontar que tenha contribuído para o fazer deste álbum?
MF: Eu, no meu caso, tenho dificuldade em referir referências, porque nós somos sempre influenciados pela nossa bagagem cultural e pelos nossos interesses. Eu ouço muita música variada, leio literatura variada, tenho experiências visuais diversas… portanto não há assim nada que eu possa eleger como “OK, isto foi uma referência mais importante”, mas se calhar, no caso do Bruno e do Norberto, eles terão outra opinião mais pessoal.
BP: Para mim, as referências que tenho não são relacionadas propriamente com artistas ou com compositores ou com bandas, mas sim com uma forma de criar e ouvir música. Para mim, essa forma foi o modo de referência para trabalhar com eles os dois [Marco e Norberto], porque tem a ver com despir a música ao mínimo possível, em que less is more, e então o que acontece é que, por tocarmos com pouco e haver tão pouca coisa, há muito som, mas não há muito movimento rápido a acontecer, o movimento é todo lento. Isso tem uma mais-valia para mim, que é o facto do peso das notas ter uma força muito maior, porque são pouco tocadas e, como têm poucos acordes, tudo o que surge, surge com muita força, que é uma relação que também existe na música clássica, em contradição com o jazz. Juntando essas duas coisas, acaba por ter um resultado muito surpreendente, mas eu aí tinha de entrar em linguagem mais técnica para explicar, mas acho que assim me consegui fazer entender.
A música é, como falaste, minimalista e toma o seu tempo, e também tem uma atmosfera assim meio cinemática. Não pensaram em fazer um projecto visual para além da apresentação nos concertos, algo maior?
BP: Eu acho que este projecto com o Pedro Maia vai ser grande, e eu adorava que ele participasse em todos os concertos, porque acho que… não é que seja uma obrigatoriedade, mas eu acho que faz sentido ter uma componente visual forte relacionada com esta música, sim. Acho que já vai ser bastante forte, acho que não é preciso algo mais, noutro contexto.
Pensaram em adicionar vozes à música? Ou nunca foi algo que estivesse na mesa?
BP: Está em aberto, acho que sim! Embora o Norberto tenha cantado, mas com o vocoder.
Pois, na primeira canção [“A Ilha de Plástico”], nota-se que há uma…
BP: Ah, mas isso é um pedal! É um pedal que imita a voz de uma personagem de banda desenhada japonesa – Hatsune Miku. Eu tenho esse pedal, com muita sorte, porque foi-me emprestado e o dono já não lhe dá grande importância. Eu na altura quis comprar o pedal, mas foi descontinuado. Eu também o uso no meu grupo de jazz e, assim que experimentei o pedal, disse-lhes “pá, temos mesmo de pôr isto”. E exacto, o pedal faz isso, imita uma voz japonesa.
O álbum tem um tom relativamente homogéneo, mas têm alguma faixa que considerem predilecta?
MF: É difícil, porque as faixas são muito diferentes, entre elas. Portanto torna-se difícil eleger algum tema predilecto.
BP: [a falar para o Marco] Como é que se chamava… o reggae, era o quê o nome? O reggae agora era o quê? “Ilha de Porcelana”…? Nuvem! “Nuvem de Porcelana”, é? O ré menor? Gostei muito do resultado que esse tema acabou por ter no disco, ficou mesmo assim com imenso espaço e acho que é um tema muito pesado, o que não acho que os outros sejam. [trauteia] É este, não é?
MF: Não, esse é o “Sururu”.
BP: Ah, é o “Sururu”! Estou-me a enganar, desculpa. É o “Sururu”. O “Sururu” foi o tema com que eu mais fiquei surpreso em relação às modificações que nós fizemos durante o processo de gravação e ficou assim… pesado, não sei!
MF: É um slow autêntico.
BP: Depois, é um pormenor engraçado, nesse dia em que gravámos esse tema, estava muito calor. Lá no palco da SMUP deviam estar para aí 35 graus, mas houve um vendaval, que era um tufão que estava a passar e que estava a chegar a Lisboa. Eu lembro-me de acabar o tema e ir lá para fora levar com o vento, porque estava a transpirar, estar a ouvir de longe e aquilo estar a colocar-me assim num sítio meio intemporal, mas de alguma forma… conclusivo. Também foi um dos últimos temas a gravar, portanto, quando ouvi aquilo com aquela nova transformação, para mim fez todo o sentido e foi assim uma lufada de ar fresco, que realmente estava a acontecer a nível emocional e a nível musical.
Sentem que o projecto é para continuar? Há mais ideias?
MF: Sim. A ideia é, sinceramente… nós já falámos disso. Ficámos com vontade de pensar num segundo álbum, mas claro que queremos tocar este e… mas sim, temos essa vontade.