Paulo Almeida: “Todos temos ódios de estimação. Às vezes temos é vergonha ou medo de falar sobre eles”
Foi a 21 de dezembro de 2004 que subiu pela primeira vez a um palco. Era uma noite calma de início de inverno e o Santiago Alquimista recebia um espetáculo promovido por Fernando Alvim. Foram os primeiros cinco minutos de uma carreira ligada ao stand-up comedy que está mais viva do que nunca. Chama-se Paulo Almeida, tem 36 anos e estreia o solo “Ódio de Estimação” em Leiria, no Teatro Miguel Franco já este sábado.
Fomos falar com o humorista que toda a gente conhece por fazer humor negro. Acabámos por descobrir que esse “rótulo” faz parte do passado e que hoje em dia o Paulo faz “humor multicolor”, despejado de rótulos e preconceitos, apesar de manter a acidez do costume. Depois de três solos de stand-up, um deles televisionado, Paulo Almeida prepara-se para arrancar com a maior tour de comédia de sempre, a nível pessoal. Do youtube para o palco e das redes sociais para a sociedade eis a história da “pequena besta” ou, se preferirem, do “psicopata fofinho” do humor nacional.
Porquê Ódio de Estimação?
Basicamente a ideia surgiu do vídeos com o mesmo nome no meu canal de youtube. Nas duas temporadas que já existem falo sobre os meus ódios de estimação, sejam eles pessoas ou temas. Desde que criei este conteúdo tinha na ideia fazer um solo de stand up comedy sobre isso, onde os meus ódios se tornassem um espetáculo. No youtube falo mais sobre pessoas e no espectáculo sobre temas, grupos de pessoas e sobre coisas que fazem comichão a todos. Mas também vou falar sobre coisas pessoais que me aconteceram nos últimos anos.
Mas os ódios retratados nos vídeos vão aparecer em palco?
Quero guardar esse momento para quando forem ao espetáculo. Vai haver um momento… nem devia falar sobre isto! Bem… eles podem ou não aparecer (risos). Quem comprar bilhete saberá. Tudo pode acontecer. Quem sabe se não há alguém que aparece em carne e osso, ou de outra forma qualquer…
Os Ódios de Estimação nasceram deste ambiente menos saudável das redes sociais?
Sim e não. A minha participação nas redes sociais já não estava a fazer sentido por causa dessa horda do politicamente correto que para aí anda. Dessa censura que não é censura, dessas milícias em forma de grupo de amigos que, em vez de empunharem tochas, batem teclas atrás de um ecrã e usam o rato para minimizar janelas quando estão a ser descobertos. Eu tentei encontrar uma alternativa para poder continuar a comunicar para o meu público. O youtube deu-me essa oportunidade. O formato vídeo abriu-me portas para aquilo eu gosto mesmo muito de fazer porque tem a ver comigo e com o humor que gosto produzir.
Mas continuas a ser censurado…
Sim, é verdade. Não há nenhum lápis azul mas quase… nem todos os vídeos foram censurados mas muitos foram eliminados por curtos prazo de tempo, outros foram eliminados definitivamente… Não sei de onde parte esta censura mas tenho as minhas suspeitas. Mas eu vou continuar a passar a minha mensagem seja de que forma for.
E qual a tua mensagem?
É rir, independente do tema e do assunto que for. Fazer as pessoas rir, mais nada. Tudo o que venha depois disso não é algo que eu queira controlar ou que eu controle. O som de uma gargalhada é o som mais bonito que me podem dar. Mas também gosto de aplausos (risos).
Contudo o riso continua a ser um sentimento que atribuímos a uma mensagem, ao interpretar as pessoas estão a recolher uma mensagem…
Sim, claro, mas sinceramente não é, como se costuma dizer, “a moral da história” que me motiva. Muitos comediantes encaram o humor como um veículo de mensagens, para além da piada. E muitos deles fazem-no bem mas nunca foi esse o meu estilo. Eu tenho consciência de que aquilo que digo pode passar mensagens mas não o faço de forma propositada. As pessoas que veem o meu humor e que tiram uma mensagem de lá não o fazem por mim. Fazem-no porque tentam interpretar o mundo segundo aquilo que digo, embora seja um papel demasiado importante para me ser atribuído a mim e aos meus textos. Se houver mais alguma coisa a sair de lá não é o meu estilo. Este espectáculo pode ter essa componente mas não é a sua razão de ser. Se acontecer, aconteceu. Fazer rir é o objetivo principal e quase único dos meus espetáculos.
Como se explica o boom que o stand-up comedy teve nos últimos tempos?
Há bocado falámos daqueles que eu entendo como os malefícios das redes sociais. Mas temos que dar a mão à palmatória e reconhecer que o stand-up comedy em Portugal só renasceu por causa das redes sociais, sobretudo porque têm sido uma ferramenta de trabalho para os novos humoristas e uma forma dos humoristas com carreiras já assentes se reinventarem. Lembram-se do programa Novas Oportunidades? As redes sociais foram o Novas Oportunidades do humor. Como em tudo, há muitas coisas boas e muitas coisas má. No final das contas o público é quem faz a triagem entre quem continua e quem não continua.
Mas eu não concordo com essa coisa do boom. O maior bom foi no Levanta-te e Ri, em 2003. Sem redes sociais, as pessoas iam porque gostavam do que viam na televisão. Mas tivemos um período morno, quase frio. Neste novo boom, o Levanta-te e Ri volta a surgir com as caras de antigamente mas com caras novas e caras que surgiram nas redes sociais e no youtube. Também teve que se reinventar.
Eu quero é que as pessoas consumam comédia. É melhor para toda a gente. Como qualquer outra forma de arte, as pessoas só podem decidir se gostam se virem, ouvirem, lerem e estiverem lá. Mas porra… ver um espectáculo ao vivo continua a ser a melhor forma de apreciar humor. Se forem a um espetáculo meu melhor ainda! Mas consumam de tudo um pouco, seja em bares ou em auditórios, há muitos humoristas a provarem o seu valor.
Quem é que anda hoje em dia a provar o seu valor?
Hum… o Paulo Almeida! Conheces? (risos) Basta ir à ticketline e ver que há cada vez mais solos com salas a esgotar. Putos novos, malta com anos de carreira… é sé uma questão do público decidir de quem gosta mais. Há imensos estilos de humor e anda por aí muita gente válida em todos eles.
Mas como chegas a esses humoristas? As redes hoje em dia funcionam à base de algoritmos e ser bom não chega…
As redes sociais são uma mini montra para o artista se promover e vender bilhetes para os espetáculos ao vivo. O facebook e as demais redes sociais estão cada vez com um alcance menor mas é um negócio… sempre foi. Nós comediantes também estamos lá a vender o nosso peixe não é?
Se criarmos bons conteúdos e se formos investindo dinheiro no nosso negócio, ao mesmo tempo que conseguimos ser partilhados, chegamos a muita gente. Mas tudo é melhor live on tape. Hoje coloco menos conteúdos nas redes sociais e procuro o youtube, que é também uma plataforma digital. Mas tudo isto são apenas formas de levar pessoas para as salas de teatro, ver um projeto que demorou meses e meses a ser construído. O que se passa ali é irrepetível e eu quero que as pessoas tenham essa experiência.
Somos suspeitos mas agora temos um podcast juntos que chegou a estar no top ten do iTunes e continua a ser um dos mais ouvidos.
Todas as formas são válidas. Quando avançámos para o podcast foi pelo facto de este ser mais íntimo e pessoal. Existem milhões de podcasts do mundo. Em Portugal há cada vez mais e todos os comediantes têm um ou dois podcasts. É uma forma simples e eficaz de passar a mensagem. As vozes são uma companhia e as pessoas gostam daquelas que conhecem. Este tipo de formatos é importante para nos mostrarmos para lá da parte artística.
Quanto de pessoal tem um solo de stand-up comedy do Paulo Almeida?
100%. Tudo. Tudo é pessoal. Sejam os meus ódios ou as minhas histórias é tudo 100% pessoal. São coisa que me aconteceram a mim, aos meus amigos ou familiares meus, mas sobretudo o Ódio de Estimação reflete coisas que me aconteceram a mim. O cunho que eu mais gosto de ver nos outros comediantes é o pessoal, onde eu acredito piamente que aquilo aconteceu. Gosto que seja pessoal e acreditem que eu tenho muitas coisas para contar. Neste novo solo até vai existir uma componente interactiva onde vou ter o publico em palco a interagir comigo nas minhas histórias. Isso vai ser giro. Vai correr bem para todos se forem para as primeiras filas! Ou para as últimas, não sou esquisito.
A par do Rui Sinel de Cordes, o teu nome salta logo à vista quando se fala em humor negro…
Eu compreendo essa afirmação porque é mais fácil colocar um rótulo nas coisas. Nunca achei que o que eu faço é humor negro puro e duro. Tenho um estilo mais agressivo e mais ácido de fazer humor. Mas no final das contas é humor. É mais fácil dizer que é humor x, sim. Mas é muito mais do que isso. No Ódio de Estimação vão perceber que eu estou a rasgar com esse rótulo a espaços. O Paulo Almeida de hoje já não tem cores nem rótulos. É humor unicolor. Ou humor arco-íris. Qual destes é melhor para o título? É humor multicolor vá!
Mas é o rótulo pelo qual ficaste conhecido…
Vou falar sobre isso no solo… Acho que eu não faço estritamente isso. Mas as pessoas ouvem leem e veem uma piada sobre uma tragédia, sobre doença ou sobre assuntos mais suscetíveis e dizem logo “ah! lá está aquele gajo a fazer humor negro!”. Pá, aquilo é só uma piada. Ponto. Quando ouves um comediante construir um texto sobre a diferença entre os homens e as mulheres ninguém se preocupa em bater uma teclas a dizer “ah! lá está aquele gajo a fazer humor observacional”. O mesmo para quando fazem uma piada sobre o governo ou a oposição ou sobre o último político que nos roubou. Não uma alma viva a dizer “ah excelente piada de humor político”. Dizem apenas “excelente piada!”.
Mas isto esbatece-se. Este humor é cada vez mais mainstream e há cada vez mais pessoas a aceitar e a procurar. Como muitas outras coisas, esta distinção pela negativa vai acabar por desaparecer. A piada em si vai vencer sempre.
Porém o humor negro – perdoa-nos a insistência no rótulo – sofre mais. Isto depende se a piada é boa ou má? Inteligente ou gratuita?
As pessoas têm mais comichões quando a piada é sobre o futebol. Por incrível que pareça, muito mais do que têm se for sobre doenças e tragédias. Com o futebol… porra, com o futebol parece que o mundo vai acabar. As pessoas têm sempre tendência a rir de tudo menos daquilo que lhes toca mais perto. Se tu és de um dos três grandes e o teu clube perdeu vais-te passar e não te ris daquilo. Isto se fores burro, claro. Quem é inteligente percebe. Se a piada for sobre os teus rivais já é genial e queres rir e partilhar. O mesmo acontece com as doenças e com as tragédias. Achas mais facilmente graça a uma piada se a doença ou a tragédia não te forem próximas.
“Todos temos um alvo até o alvo sermos nós” [slogan do Ódio de Estimação]…
Exatamente. Todos nós gostamos de fazer sobre piadas sobre todos os assuntos até sermos a piada. Nesse caso “alto e paira o baile”, não é? Foi por isso que quis dar o nome “ódio de estimação” a este solo e é isso que vou explorar. Vou abordar a nossa hipocrisia enquanto sociedade e a minha hipocrisia enquanto pessoa.
É impressão nossa ou amadureceste na forma como olhas para o humor? Desculpa a observação mas houve certas alturas em que parecia que as tuas piadas eram mais gratuitas…
Espero que sim. Como artistas é o que queremos. Amadurecer e ficar melhor. Tentar o melhor através da mudança. Se formos incorporando tudo aquilo que vimos e sentimos vamos amadurecendo. Faz parte das dores de crescimento… O estilo de humor que fazia há anos atrás é hoje totalmente diferente do de hoje. O tipo de espetáculo que tenho hoje em dia é muito diferente. Dantes raramente fazia piadas pessoais, hoje é 100% composto disso.
Se eu amadureci? Sem divida alguma. Só quem me acompanha é que pode dizer, de qualquer das formas. Mas quero muito mostrar isso já este sábado em Leiria, no Teatro Miguel Franco.
E isso aconteceu porquê? Foste o alvo mais vezes por causa do humor negro?
Vou fazer piadas que acho que tem piada. Não faço para chocar ninguém, é apenas para fazer rir. Não é por alguém ficar ofendido que eu deixo de fazer a piada. Quero é que as pessoas se riam. Se nem sempre acerto? É verdade, mas vou tentar acertar o maior número de vezes possível.
Voltando aqui ao solo com que vais arrancar. É a maior tour que já fizeste a solo, não é?
Sim. A nível individual sim! É a que tem mais cidades, com as salas maiores. Era algo que eu já queria fazer há muito tempo. Só agora com esta produção é que se pôde realizar. Vamos passar por muitas cidades. Ainda não vou a todas aquelas a que quero ir, mas numa segunda volta espero que ainda dê para ir a mais cidades, sobretudo no sul do país e nas ilhas. Depois quero fazer outras datas no norte e no interior.
Falámos de ti, do solo e do teu público. Quem não te conhece deve ter curiosidade em ver o teu espetáculo porquê?
Porque todos nós temos ódios de estimação. Às vezes temos vergonha ou medo de falar sobre eles. Quer seja por causa do politicamente correto, pelo medo em perder amizades ou por causa nossa vida profissional. Aquilo que eu vou fazer é o trabalho sujo. Mas é um trabalho de todos. Eu vou falar sobre isso de forma aberta, sem preconceitos, porque nos teatros e nas salas ninguém nos pode censurar. Vai ser um confessionário com lotações entre 100 e 1000 lugares. Um confessionário de amigos. Eu não quero mudar o mundo mas gostava muito que o meu mundo deixasse sorrisos na cara de quem for a esta festa.
A tour Ódio de Estimação vai passar por Leiria, Vila Real, Braga, Coimbra, Aveiro, Beja, Viseu, Barcelos, Porto e Lisboa. Os bilhetes estão disponíveis na Ticketline, na Blueticket (para Lisboa) e em todos os locais habituais. A Comunidade, Cultura e Arte vai ter bilhetes para oferecer. Fiquem atentos.