Daniel Knox apresentou o seu mundo irresistivelmente imperfeito na Stereogun
Leiria, Stereogun, 16 de Fevereiro, episódio inaugural da edição de 2019 do FADEINFESTIVAL. Nesta noite fomos magistralmente seduzidos. O responsável foi o músico e compositor americano Daniel Knox. Apresentou-se, em palco, todo vestido de preto. Uma caneta branca repousava sobre a sua orelha esquerda. Sentou-se, contemplou o piano, começou. Instantaneamente silenciou a plateia. Esta não estava cheia, como seria expectável, mas estava ávida para embarcar nas suas músicas. No fim do primeiro tema pediu para alterarem as luzes, para não ficar hipnotizado, e prosseguiu. Confessou-nos que, quando morresse, gostaria de ser um fantasma para poder regressar e roubar coisas sem que ninguém se apercebesse disso. Desta forma começou a cantar “When I come back to life I’ll find you/Push my thumbs into your eyes and blind you”, letra do tema “Ghostsong”.
Todo o concerto foi conduzido de uma forma espontânea e aleatória, percorrendo os seus vários álbuns desde Disaster e Evryman For Himself ao mais recente Chasescene. Alternou momentos cómicos com momentos em que nos contou como nasceram as suas músicas. Foi-nos revelando um pouco do seu mundo que oscila entre o negro, o branco, a tragédia, a vida, a loucura, a genialidade. Tudo isso, também, estava visualmente presente no palco. O preto do piano, da roupa, o cabelo desalinhado, a barba comprida grisalha e arruivada; o branco das teclas, da caneta, das folhas, que continham as letras, que ia desfazendo e atirando ao chão no final de cada tema.
“It Gets Better” dedicou ao seu amigo José, que conduz como um louco. “I like to get lost”, desabafou ainda o concerto ia a meio. Sempre que está num país diferente sente que tem tantas oportunidades para se poder perder, mas infelizmente não há tempo. Com isto recuámos ao passado e relatou-nos um episódio que aconteceu na sua infância. “Blue Car” é a história de um carro sem condutor que quase bateu na casa dele quando este tinha dez anos. É triste não podermos voltar atrás e vermos como nós éramos no passado. Como nos sentíamos, como percecionávamos o que nos acontecia. Há sempre tanta desilusão à nossa volta, faz-nos constatar. “And I beg you to leave but you won’t go/It’s easy to love what you don’t know”, letra da excecional “The Poisoner”. É difícil não sustermos a respiração, não nos revermos, não vestirmos este tema: “Wear this song around your neck”.
No fim de nos dizer que acredita que o amor é um estado de incapacidade temporária, chega a soberba “Chasescene”. “You Win Some, You Tie Some” serviu para mudar de registo e falar da paixão do músico ao jogo. Depressa demais chegamos ao fim com o tema “Slowly”. Tal como a letra, tivemos vontade de implorar que terminasse lentamente, que o tempo ficasse suspenso por mais um pouco. Assim foi. Regressou rapidamente para mais dois temas escolhidos entre tantos. Começou logo por nos alertar que seriam de cariz sexual. Foram vocês que pediram, afirmou. “Mrs. Roth” foi a primeira escolha. O que o inspirou para a escrever foi uma professora que teve e que via com regularidade. Não era nada atraente, calçava saltos altos, usava um vestido que parecia uma cortina de hotel e cheirava a bolas de naftalina. Seguiu-se a tocante “Me And My Wife”. Esta é uma canção para uma mulher que não existe; Knox nunca foi casado, mas gosta bastante de pensar nisso, de criar histórias a dois. Histórias que poderiam ter acontecido. Que nos poderiam acontecer. Que podem acontecer.
Terminou de vez. Terminaram as músicas, a voz, o piano, as histórias que nos embalaram ao longo da noite. Após entrarmos no seu universo, é complicado sairmos iguais.
Já a sentir uma nostalgia prematura olhei para o palco, agora vazio, exposto, solitário. As bolas que fez com as folhas das letras povoavam o espaço. Aproximei-me e apanhei uma. Desdobrei. Sorri. Guardei. Fica mais um registo de uma noite memorável.
Texto de Ana Moreira.