Abuso sexual: cartilha breve
2. É conhecido o comportamento idêntico de um famoso diretor de uma companhia de ballet noutro país, que tinha o mesmo discurso com os bailarinos com quem desejava ir para a cama.
No exemplo 2 não está em causa um «problema» de homossexualidade, tal como, no exemplo 1, não se trata de uma questão de heterossexualidade. Trata-se, em ambos os casos, de abuso.
Mesmo que a bailarina ou o bailarino «consentissem» em ir para a cama com o director, esse consentimento nunca seria digno desse nome. Não pode haver consentimento quando há uma disparidade na relação de poder; não pode haver consentimento verdadeiro se quem pressiona outrem para que aconteça uma situação sexual tem nas mãos a vida desse outrem que diz «sim».
Poderíamos extrapolar dos exemplos 1 e 2 para muitos outros âmbitos da vida humana. Mas fiquemos, hoje, pela brevidade.
Nos dois casos que citei acima, abusador e abusada/o são pessoas adultas. É grave — mas há muito mais grave.
No escalão mais condenável da gravidade está a situação que envolve uma pessoa adulta e uma pessoa menor de idade.
Essa pessoa menor de idade, colocada por um adulto numa situação em que se vê condicionada ou forçada a praticar ou participar em actos sexuais, está a ser vítima de um crime.
A palavra-chave é mesmo «crime». O padrasto que abusou da enteada não cometeu um acto de heterossexualidade, nem o tio que abusou do sobrinho cometeu um acto de homossexualidade. Ambos exploraram, é certo, a disparidade de poder e o ascendente que tinham sobre a vítima. Mas o que aconteceu foi que ambos cometeram um crime.
Aconteça onde acontecer esse crime — e seja quem for o abusador da pessoa menor, seja ele um príncipe da Igreja ou um cavador de enxada — trata-se sempre, repito, de um crime.
Encobri-lo, desvalorizá-lo, salvar a pele do abusador para proteger a reputação da instituição onde o crime aconteceu (muitas vezes culpabilizando a vítima por ter sido abusada) são atitudes que tornam o que já é mau muito — mas muito — pior.
O debate que agora se desenvolve na comunicação social e nas tão vilipendiadas redes sociais não resolverá o problema retroactivamente, nem desfará tudo o que aconteceu no passado.
Tem, no entanto, a vantagem de abrir as consciências e de contribuir para que tais situações deixem de ser encobertas no futuro.
Todos gostaríamos que a Humanidade progredisse de tal maneira que o abuso sexual nunca voltasse a acontecer. Sabemos que, infelizmente, esse futuro é utópico. O que há a fazer em relação ao abuso sexual é simples e diz-se de forma muito breve. É só isto: não encobri-lo.