Por que é que a série “Mad Men” merece todo o nosso tempo?

por Comunidade Cultura e Arte,    27 Fevereiro, 2019
Por que é que a série “Mad Men” merece todo o nosso tempo?
“Mad Men” (2007–2015)

Mad Men era a série mais badalada pelos amantes do cinema e das séries quando eu andava na faculdade. Por algum motivo, ao ler a sinopse, nunca me despertou curiosidade. Homens em Nova Iorque, na década de 60, a trabalharem em publicidade; episódios de quase uma hora, e temporadas que, ao fim ao cabo, me iam roubar quase meio dia de vida. Obrigada, mas não obrigada.

“Mad Men” (2007–2015)

Dois anos depois, dou por mim a ver o primeiro episódio. E depois o segundo, e o terceiro. E, em menos de um mês, a série inteira – as sete temporadas (92 episódios). Contrariamente ao que eu pensava, e ao que me motivou a adiar este consumo, Mad Men revelou-se tudo menos entediante.
Mas o que é que torna uma série com uma premissa tão trivial numa obra tão deliciosamente orquestrada? Sou obrigada a responder com “tudo”. Mad Men tem como personagem central um publicitário, Donald Draper, e trata, do início ao fim, de acompanhar a sua conflituosa jornada, bem como a jornada das pessoas que orbitam à sua volta.

A década de 60, para começar, é eximiamente retratada: somos transportados para um período de transição social e política nos Estados Unidos e enfatizando eventos definidores da sociedade como a conhecemos hoje, Mad Men não se deixa ficar pela mera referência dos mesmos. Vai mais longe, e mostra profusamente como esses acontecimentos afetaram os vários aspetos do quotidiano das personagens, na sua vida pessoal, no seu sistema de crenças, ou até mesmo no seu trabalho.

“Mad Men” (2007–2015)

Não descura também de ilustrar a condição feminina daquela altura e, consequentemente, somos confrontados com um nível de machismo e misoginia que deixa qualquer pessoa do século XXI com os cabelos em pé. No entanto, ao longo da série, vamos assistindo à evolução das várias personagens femininas, todas elas com mentalidades completamente distintas, algumas presas a convenções, e outras à procura de romper com tudo o que é convencional, o que também é uma porta para entender a evolução do estatuto da mulher, tanto na sociedade como no mercado de trabalho.

O racismo, evidentemente, não fica de fora. Num escritório de gente branca (numa fase inicial), não são raras as piadas ou os comentários sobre negros e sobre judeus. As únicas personagens de cor que nos são apresentadas são nada mais que empregadas domésticas, ou funcionários de elevador. Mas à medida que a série avança e, com ela, o contexto temporal, presenciamos uma atenuante na segregação racial, tanto a nível social como institucional – e uma consequente modificação no compasso moral das personagens brancas.

“Mad Men” (2007–2015)

Por si só, isto já seria suficiente para tornar a série interessante. Mas, o expoente máximo, aquilo que a torna tão suis generis é, nada mais nada menos, que a tridimensionalidade das personagens. Quase todas elas, com mais ou menos ênfase, são dotadas de um grande sentido de humanidade. Todas sentem, todas travam batalhas, todas vivem verdades universais – mas a forma como o fazem, a profundidade como cada uma dessas existências é construída, transformando-nas em personagens mais humanas e muito próximas de pessoas que conhecemos no nosso dia a dia.

Tudo isto se desenrola de uma forma quase poética: no meio do fumo de todos os lugares (sim, quando se fumava até no hospital) e do álcool (muito álcool), onde os diálogos fluem de uma maneira quase literária. A personagem Roger Sterling é talvez a que mais faz transparecer esse lado literário e ao mesmo tempo cómico (e até nas frases mais curtas). O drama, a paixão e o humor misturam-se de forma perfeita e homogénea, e aliam-se a uma cinematografia pensada ao pormenor, em que nada é deixado ao acaso.

É por tudo isto que “Mad Men” merece todo o nosso tempo!

Crónica de Carolina Fernandes

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