Do amor em tempos de guerra
Muito se tem falado sobre a violência. E tem que se falar efetivamente, não podemos, nem poderíamos, fechar os olhos à evidência. Mas falar não chega: é preciso avançar com soluções e também mostrar às vítimas que há outra parte da vida para viver. E essa parte, há-de ser cheia de amor, porque todas as burocracias, questões jurídicas e dogmas são resolvidas nos locais próprios.
Quando me sento à mesa com a minha sobrinha olho para ela, focada no tablet, e percebo que se calhar no futuro ela vai nascer mais desacreditada no amor – a geração dela. Ou então não e vamos voltar às vivências de amor lamechas de outrora.
Lembro-me de crescer com a poesia do amor assente na premissa da atuação: e falo de todos os tipos de amor. Aquele amor que nos preenche e nos sucumbe, aquele que nos faz bem, aquele que nos ajuda a crescer: seja o próprio ou o pelos outros ou aquele pelas coisas e pelos projetos que abraçamos.
Acho que nos esquecemos muito do amor. Do brilho dos olhos e das borboletas no estômago. Talvez eu, também, quando crescer mais o acabe por perder (ou então não).
Tenho observado muito durante a minha vida. Vi a evolução do amor nas mais diversas formas. Quando abro os livros antigos do meu pai ele tem recortes de memórias onde escrevia pequenas recordações. À primeira vista lembro-me, desde logo, daquele bilhete que dizia que numa certa data esteve a lanchar no café mais emblemático da cidade com o seu avô. E sei de cor os olhos do meu Pai quando diz que a minha mãe era (e é) a Mulher mais bonita do mundo e lhe aparecia no rio onde iam com os amigos.
Eu gosto de histórias de amor. Gosto de as ver nos olhos das pessoas. Gosto de as observar. Delicio-me a ver na rua as pessoas que falam com os olhos. De estar no café e perceber que, à minha volta, há um primeiro encontro da decorrer enquanto escrevo mentalmente os seus nervosos miudinhos. Ou quando há despedidas, que doem a quem rodeia, lágrimas e questões. A incerteza. O medo. As portas que se julgam fechar. A identidade lógica – mas tão com falta de lógica – de que somos todos iguais. Não somos. Uns com os outros somos todos diferentes; uns para os outros somos todos especiais.
Não há uma faixa etária para o amor. O amor permite-nos, sempre, um recomeço.
Na semana passada estava a subir a rua e ia um casal à minha frente, ele deixava-a passar, tocava-lhe ao de leve nos cabelos encaracolados e, do nada, parou e beijou-a. Ela sorriu e corou, olhava-o profundamente e abraçava-o. Eu percebi que o amor nos apanha desprevenidos. Que o amor não espera que aconteça, que não tem um ponto final ou uma capa pré-concebida.
Todos os dias na central de camionagem, no terminal do aeroporto, no campus universitário (seja onde for) vemos despedidas, reencontros e encontros. Há pessoas que se cruzam sem saber quem são; olhares que se marcam; mãos que se tocam e impactos brutais. E há quem corra e se abrace. Quem core no autocarro a enviar uma mensagem; quem fique ansioso por receber uma chamada; quem se beija apaixonadamente, só porque os lábios aprenderam a falar.
O amor permite-nos Ser. E o amor acontece das mais variadas formas, feitios e gestos. Para uns, não há amor como o primeiro. Para outros é, também, o amor que lhes permite a esperança em recomeçar. E andamos muito enganados a pensar que o amor se esgota. O amor permite que vejamos os mesmos sítios de sempre com outros olhos. Somos inundados por uma coisa chamada novidade, por uma vontade insaciável em apertarmos a mão em silêncio, por termos um ombro onde nos encostar e pensar que “sabe tão bem”.
O amor é muito mais do que isto, mas para que não se enganem, também é o amor que nos pode curar. E a violência gera mesmo violência. Para todos há uma hipótese de recomeçar: e recomeços com amor, são o êxtase da história, são a vontade de beijos à chuva, danças inocentes e conversas pela noite fora (muitas delas num silêncio que de tão bom é desconcertante)…
Quando o amor é doloroso, mau e questionável, se calhar estamos confundidos no conceito. O amor, espero eu, é mais do que isso. É um sem número de sensações positivas. É um confronto de personalidades que ou se encaixam ou distanciam.
O amor há-de ser isso. A indefinição de quem o sente. O coração que anseia pela chegada do outro. Os dias recortados no calendário. Os olhares difusos sem confusão. O brilho e a tristeza. A superação.
Mas o amor não é violência nem agressividade. E se sucumbe para o ser, então que seja o amor que nos permita recomeçar: fechamos o livro e começamos um novo volume. Nem todas as histórias têm que ser esquecidas. Às vezes, só precisamos de saber o que é isso do Amor. E sabê-lo, nunca passará só por palavras: o tempo é também o amor.
O amor não se procura. Ele aparece desprevenido, não nos avisa, não nos contrata, não nos explica condições. Ele leva-nos com ele. E se formos, com o que somos, acho que podemos ir felizes.
Crónica de Isa Meireles
Isa Meireles é Advogada, Assistente Convidada na Escola de Direito da Universidade do Minho, Investigadora, Mestre em Direito e está em aprovação ao Doutoramento em Direito Escola de Direito da Universidade do Minho