Quem quer cozinhar para o meu filho?
O paradigma televisivo em Portugal está a ultrapassar todos os cúmulos, principalmente o do ridículo. Todos os fins de semana, quer dizer todos os dias da semana, somos bombardeados com programas alusivos ao amor. Aos descrentes no amor, digamos assim, ou encalhados, como lhe queiram chamar. Desde o sucesso de “Casados à primeira vista”, na SIC, que a aposta dos canais de televisão generalistas privados tem sido formatos de sucesso no estrangeiro, entre os quais agora: “Quem quer casar com o meu filho?” na TVI e “Quem quer namorar com um agricultor?” na SIC. A sede insaciável de audiências faz com que recaiam na mesma estratégia, o plágio, e o telespectador já nem sabe para onde se virar. Desta vez, mais vale desligar a televisão ou ler um livro, ainda há coisas interessantes nesta vida.
Estamos cada vez mais imersos numa realidade que, por mais que quebre muitos tabus na nossa sociedade, dá também ênfase a alguns flagelos, entre eles, o machismo. Nós bem queremos que esta palavra pertença ao século passado, mas assim é difícil.
O programa: “Quem quer casar com o meu filho?” na TVI, o mais polémico do momento, espelha de forma eximia o que é ainda a mentalidade da nossa sociedade. Entre alguns dos seres abomináveis que aí concorreram, um deles com um ar snobe e de sorriso no rosto, diz: “Aviso já que sou manipulador e muito frio em relações”, e estão ali durante 5 minutos a ter um conversa do mais fútil que há, uma espécie de casting para conhecer a nova empregada lá de casa, e, no fim do questionário, dizem: “É tudo por agora” e mandam entrar outra concorrente ao cargo. O que mais indigna quem assiste é o facto das concorrentes que por lá passam serem submissas, “comem e calam” e nada se indignam com o que está para ali a ser feito. Por mais que queiram arranjar uma cara-metade, não se podem subjugar desta maneira, a menos que apenas seja para ficarem conhecidas. O que em alguns casos, não todos, nem é provável, é mesmo esse o objetivo.
Quanto às mães dos concorrentes deste reality show, ainda maior é o descalabro. O único requisito para aceitar as suas noras é terem jeito para os tachos e para fazer a lida da casa. Ouvem-se frases do género: “O meu filho é de muito alimento (…) um homem conquista-se pela barriga (…) se não sabes cozinhar, já está na hora de aprenderes”. Levantam-se as sobrancelhas e fazem-se olhares de desdém quando se ouve: “Não sei cozinhar”, e são logo automaticamente descartadas. O mais caricato de tudo é que são sempre as mães a falar por eles. Vê-se a léguas que estas mãezinhas estão desesperadas para deixarem de ser elas as empregadas dos seus filhos e estão a todo o custo a tentar arranjar uma nova. Em vez de os munirem de mecanismos para ser autónomos, fazem de tudo para que estes arranjem outra pessoa que os saiba servir.
Nos dias de hoje, a conotação de mulher na cozinha e homem no sofá a beber uma cerveja já deveria estar posta de lado. Estes pensamentos retrógrados ainda abundam numa sociedade como a nossa, e a marcha contra a violência doméstica e em prol do feminismo do passado dia 8 de Março, dia da mulher, parece já estar esquecida. Num dia caminhávamos para o progresso, parecíamos outro qualquer país europeu nórdico. No dia da estreia do dito programa, voltamos a perceber que ainda estávamos em Portugal.
A RTP 1 foi única que não se deixou enveredar por estes caminhos, mantém no ar o seu programa didático, que por ironia do destino é sobre culinária, o “FFF – Famílias Frente a Frente”. Possivelmente, este é um sinal do além para o canal público, perdeu-se a oportunidade de compilar num novo programa, ideias do programa já existente com os da concorrência, para criar um “reality show”, que se existisse só podia ser “made in Portugal” com um título do género: “Quem quer cozinhar para o meu filho?”.
A televisão generalista privada atravessa tempos de grande desespero para vencer o adversário e, por isso, presenteia-nos com programas do mais rasca que há, piores que um iogurte de marca branca, lembrando-nos da quantidade de lapardos deste país – é caso para dizer que “são mais que as mães” – que procuram incessantemente uma nova empregada que atenda aos seus caprichos, invés do que devia efetivamente acontecer, a procura do companheirismo do outro para uma vida a dois. Dá que pensar realmente. Demonstra o quão atrás estamos de outras sociedades ocidentais.
Se o objetivo é ter uma empregada que os saiba apaparicar, mais vale contratarem uma, ou comprem uma bimby, sai bem mais barato, disso não tenham dúvidas. Hoje em dia, um casamento em Portugal custa para cima de 20 mil euros. Poupavam-se à sátira de que estão a ser alvo perante um país inteiro e de um potencial casamento desastroso. Mas a ânsia de serem famosos a todo o custo fala mais alto, não é?
Crónica de João Pedro Canário
O João é estudante de Ciência Política e Relações Internacionais