Capitão Fausto, façam-me as vontades
Olá, Domingos, Manuel, Francisco, Tomás e Salvador. Os grandes Capitão Fausto. Posso tratar-vos por Faustos? Sinto que já vos conheço há muito tempo só porque ouvi a vossa música. Belas tardes na descontra passei eu a ouvir os vossos álbuns, a perder-me naquele rock fresco e tão apelativo, a viajar montado numa Gazela à procura da balança para Pesar o Sol. E também se ouve muito bem sem estar sob o efeito de LSD, tem garra e pica para tudo e todos os estados, assim como uma atmosfera psicadélica e progressiva que dá gosto descobrir uma e outra vez. Era tudo o que eu podia desejar numa banda.
Faustos, eu sou um grande fã do vosso trabalho e gosto muito de ouvir as vossas canções. Não é para me gabar, mas eu sou quase o vosso maior fã; só não sou o maior porque todos temos mães orgulhosas de nós e a minha é completamente louca pela vossa música. Mas como o vosso segundo maior fã, eu tenho de confessar que tenho notado que alguma coisa não parece bem, algo está diferente. Vocês já não são os mesmos, estão crescidos, e por isso eu tenho de ser sincero e dizer-vos que estou extremamente desiludido com A Invenção do Dia Claro. Mas antes que suspirem de alívio: eu não estou a falar do livro do Almada Negreiros.
Eu devia ter estranhado quando ouvi Capitão Fausto Têm os Dias Contados. Era um disco fresco, ambicioso, um veranico a transbordar com uma sonoridade pop muito apelativa ao ouvido, riffs deliciosos e maneirinhos, e uma construção musical mais cimentada que nos projectos anteriores. Havia nele muita tranquilidade, muita maturidade e tacto na escrita de músicas e de letras, e fui logrado por vocês, patifes, com músicas como “Corazón”, “Mil e Quinze” ou “Amanhã Tou Melhor”! Mas agora que lançaram este novo álbum é que eu percebi o que foi, Faustos. Onde é que estão as guitarradas? Onde é que está o ROCK? Onde é que está a “Teresa”?!
Em vez disso, temos este álbum e está bonito, está. Este pequeno presente onde apostam ainda com mais classe e critério num pop tão açucarado que, se conseguisse parar de bater o pé, tinha de o amputar a seguir. Sinceramente, até parece que estavam com a cabeça na Lua ou em São Paulo e não pensaram em mim nem nos fãs de longa data quando estavam a gravar o álbum. Que falta de consideração, é assim que retribuem o apoio ao longo dos anos? Com belas pérolas amorosas como “Outro Lado” ou a doce “Amor, a Nossa Vida”? Com a quente ginga brasileira muito bem aproveitada de “Certeza” ou da altiva “Faço as Vontades”? Mas o que é isto? Eu quero ouvir-vos a fazer música, não caramelo sonoro!
Desculpem, mas isto não tem desculpa. Não suporto que a vossa música se esteja a tornar muito mais acessível ao público geral – eu sou o vosso público, Faustos! Eu quero fechar os olhos e ouvir o vosso glorioso rock psicadélico, não quero abanar a cabeça com vontade e completamente encantado com a guitarrada infecciosa da “Boa Memória”. Eu quero ouvir música boa e não canções óptimas, que me fazem querer dançar feliz e descontraidamente, como a “Lentamente”. E não me ponham a falar da “Sempre Bem”, com aquela melodia de teclado viciante e aquele arpejo fenomenal de guitarra no refrão. Sinceramente, quem é que vos disse que eu ia gostar disto?
Estão a cuspir no prato que vos dá de comer e não o deviam fazer só porque este álbum dá vontade de devorar várias vezes de forma pantagruélica. Voltem às raízes, não expandam os vossos horizontes, que isso é para meninos que num álbum como este mostram claramente que são homens e músicos com “m” grande. Mas vocês sempre foram homens a sério, do indie, do rock puro e duro, não é destas tretas do pop sagaz e pertinente! Quero a mesma coisa que queria há cinco anos atrás, não quero cá destes engenhos de música com cabeça, tronco e membros. Mas por vocês e pela referência musical que são, eu fico ansiosamente à espera do próximo álbum, desde que não seja mais uma bonita vitória musical.