E se as salas de cinema desaparecessem?
A série de culto “Twilight Zone” está de volta e aproveitei a ocasião para lançar este “what if?” na esperança de chegarmos à conclusão que o cinema (ainda) é necessário.
Comecemos por dar o devido contexto ao nosso episódio: Portugal, 2019, com aproximadamente 11 milhões de habitantes. Durante o ano que passou, tivemos 14,7 milhões de espetadores nas nossas salas. Num cálculo rápido e genérico, conclui-se que todos os portugueses foram pelo menos ver 1 filme ao cinema em 2018. Para os mais atentos aos detalhes, não estou a considerar outras variáveis como o número total de bebés nascidos nesse mesmo ano. Mas se quiserem mesmo saber, nasceram cerca de 80 mil bebés, ou seja, um número com pouco impacto neste “estudo”. Também (ainda) não vivemos num tempo de big brother absoluto, portanto não sabemos o número de vezes que uma determinada pessoa foi ao cinema. Só sabemos que o número de espetadores ultrapassa em 3 milhões o número total da população residente em Portugal.
A média não é animadora logo à partida, sobretudo quando a comparamos com as 398 longas-metragens estreadas nesse ano. E quando olhamos para o top 3 dos filmes mais vistos em 2018 percebemos uma realidade mais profunda e grave: “The Incredibles 2” teve 605 mil espetadores, seguido de “Bohemian Rapsody” com 471 mil espetadores e “Hotel Transylvania 3” com 444 mil. Ou seja, o número total de espetadores é enganador porque na verdade apenas cerca de 4% do valor total corresponde ao filme mais visto. E apelando um pouco ao senso comum, dois dos filmes mais vistos são de animação para o público infantil, ou seja, pais que levam os filhos. O que significa, na prática, que o público adulto não é a fatia maior do bolo. Se passarmos à realidade da produção nacional, o filme “Pedro e Inês” foi o vencedor com 46 mil espetadores em 2018. Para termos uma dimensão mais palpável, é como se só a cidade de Évora tivesse ido ver o filme e o resto do país não.
Agora pensemos nos nossos hábitos culturais, na nossa rotina, nos nossos amigos, no nosso contexto social e tecnológico e façam o exercício: se amanhã as salas de cinema desaparecessem será que sentiríamos falta? Não estará o cinema a tornar-se lentamente aquela pessoa que temos on hold, que nos conforta porque sabemos que está lá à nossa espera caso a nossa relação atual com a pirataria e streaming dê para o torto?
Atrevo-me a afirmar que a vossa resposta seria um assertivo “Sim, faria muita falta!” e eu estaria ao vosso lado nesse grito. Mas, contrariamente à minha natureza positiva, a esperança é ténue. Tenho muitos amigos que afirmam gostar de cinema, mas não vão às salas. Porque a meu ver, gostar de cinema e gostar de filmes é diferente. Gostar de cinema é viver a experiência de ir à sala de cinema como espetáculo, como entretenimento, é ter interesse em conhecer os autores e o seu estilo. Gostar de filmes cinge-se ao formato em si e a exigência da experiência é variável. Conheço casos que se contentam com uma versão CAM (câmara amadora) de um filme. Na minha ótica, isto não é gostar de cinema, mas mais depressa vejo a sociedade pautar este caminho pessimista do que o contrário porque esta nova geração nasceu com um ecrã portátil e internet garantida em qualquer lado, que escolhe o que quer ver. A sala escura deixou de ter a sua magia e foi a sala de casa que assumiu esse papel, muitas vezes em multitasking a mandar mensagens ou a ver as redes sociais. Portanto se não querem que esta realidade alternativa seja a nossa, se não querem que cinemas como o Monumental ou os 173 recintos culturais no resto do país fechem, é simples: consumam cinema.
Crónica de Miguel Peres
Miguel Peres é um rapaz baixinho e criativo com várias vidas: trabalha em comunicação, é copywriter freelancer e argumentista de banda desenhada. É um apaixonado pela sua mulher, por cinema, comida e BD. Tem 2 livros publicados, diversas curtas publicadas em antologias internacionais, um selo editorial chamado Bicho.