‘Saint-Amour’, uma comédia de ‘paladar apurado’

por João Estróia Vieira,    22 Dezembro, 2016
‘Saint-Amour’, uma comédia de ‘paladar apurado’

A dupla de realizadores Benoît Delépine e Gustave Kervern, mais conhecidos pelas suas comédias de língua francesa, traz-nos um road movie de “paladar apurado”. Protagonizado por Gérard Depardieu, com quem os realizadores já tinham trabalhado em Mamuth, Benoît Poelvoorde e o novo menino-bonito do cinema francês, Vincent Lacoste, Saint Amour foge ao estereótipo normal de comédia francesa para nos trazer um bem conseguido resultado final.

Sob o pretexto de fazer uma rota vinícola, tendo como objectivo experimentar alguns dos melhores vinhos franceses, Saint Amour apresenta-se desse ponto de vista como uma versão francesa do fabuloso filme de 2004, Sideways, de Alexander Payne com Paul Giamatti e Thomas Haden Church nos principais papéis. Mas é somente nessa similitude paisagística e motivacional (a prova de vinhos) que começam e acabam as comparações e também as semelhanças. Saint Amour transporta em si uma harmoniosa história de aproximação entre pai e filho, afastados emocionalmente e incompreendidos um pelo outro. De resto, é nas cenas entre ambos que, conjugadas com interpretações calorosas de ambos os actores – sobretudo a o portentoso Depardieu –, teremos alguns dos pontos altos da obra.

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Benoît Poelvoorde é Bruno, um homem de meia idade, inseguro (inclusive com a sua calvície), solteiro e com problemas em conseguir relacionar-se com as mulheres (por outro lado mantém um relacionamento sério com o “néctar dos deuses”). Jean (Gérard Depardieu) é o seu pai, um homem viúvo que continua a ligar para o telefone da sua falecida mulher (e mãe de Bruno) para ouvir a voz desta no voicemail. Ambos mantêm uma relação algo distante entre eles, e será numa feira de agricultura que se dará o mote para a viagem de ambos pelas regiões vinícolas circundantes à boleia do táxi de Mike (Vincent Lacoste), um jovem com sucesso entre o sexo oposto e que vai também aproveitar a viagem para visitar algumas das suas antigas conquistas.

Em boa altura os realizadores decidem sair da feira e retirar a limitação espacial do filme. Nessa viagem, as inseguranças de todos eles assim como os fantasmas do passado terão o espaço que necessitam para serem exorcizados, de forma bem orquestrada pelos realizadores. Os problemas sexuais dos três serão como que “resolvidos” recorrendo à deusa Vénus. Até o simbolismo tem espaço nesta obra.

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Num trabalho de câmara quase documental (e que ao início se estranha) são inúmeras as vezes em que recordamos – sem qualquer desprimor – o filme Borat, protagonizado pelo énfant terrible Sacha Baron Cohen, não só pela forma como é filmado, mas também devido às situações absurdas que acompanharemos ao longo do filme, proporcionadas por “desconhecidos” (aparições de figuras como Soléne Rigot ou o escritor Michel Houellebecq) com as suas peculiares histórias.

Se nos sentimos a perder o rasto ao caminho trilhado pelo filme, a banda sonora simples, mas intocável e harmoniosa de Sebastien Tellier, desenvolve um papel central em toda a história apegando-nos à mesma e criando um ambiente sentimental necessário.

Esta divertida “colheita” de Benoît Delépine e Gustave KervernSaint Amour é uma interessante e relacionável jornada sobre a solidão, sobre o perdão e reaproximação; sobre a importância dos laços. A juntar aos momentos capazes de proporcionar verdadeiras gargalhadas e às interpretações de todos os seus protagonistas, está aqui criada a receita para uma ida ao cinema, acompanhada de um belo copo de vinho (ou mais).

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