Design e tradição
Quando comecei a escrever sobre design, o meu tema era o que via à minha volta, o design, as revistas, os livros, o trabalho, os recibos verdes, as conferências. Com o tempo, passei quase por completo para a história do design. Fiz a passagem em parte porque havia procura, encomendas, em parte porque a «actualidade» do design era (e é) uma seca – variações infindas do «design é para os designers», queixumes sobre a Comic Sans, o «problema» dos concursos públicos, a ordem dos designers, etc.
Percebi de imediato que a minha formação de base enquanto designer era muito fraca no que diz respeito à história. As noções de histórias dadas durante o curso eram dispersas, pouco sistemáticas, assentes em relatos anedóticos e histórias pessoais – o que não era de todo estranho, porque a história do design internacional que nos chegava através de livros e revistas era o mesmo. Por comparação com as metodologias de história geral ou da história de arte, a história do design era grosseira e amadora, feita sobretudo para consumo interno da disciplina (repisar os praticantes heróicos, repisar a cronologia aceite do design português, etc.) É uma história isolada, conservadora ao nível dos métodos, cuja grande função é legitimar o design como uma área disciplinar. Para resumir, há tantos chavões na história do design português como nas suas «actualidades».
Tem havido cada vez mais excepções, sobretudo ao nível da academia, mas só raramente passam para os trabalhos de divulgação. Estou-me a lembrar, mais uma vez, do trabalho de Vitor Almeida sobre a institucionalização do design português que apareceu numa história do design que saiu com o Público.
Dentro da história do design, tenho trabalhado sobretudo dentro de uma área que talvez se pudesse descrever como a história do design enquanto disciplina: o seu discurso, as suas instituições, os seus métodos, que são entendidos não como características intemporais mas conceitos que mudam ao longo do tempo, às vezes radicalmente. É uma história não dos objectos ou dos praticantes, mas do próprio design enquanto conceito.
Neste momento, interessa-me sobretudo o design pré-moderno, uma área bastante negligenciada. Tende-se a confundir a totalidade do design com o seu período moderno que se iniciou entre o fim do Arts & Crafts e o começo da Bauhaus. Porém, há uma história rica mas pouco conhecida da disciplina antes desse tempo. Para ter uma ideia do que ficou esquecido, entre o aparecimento dos primeiros cursos de design em Inglaterra na década de 1830 e a Bauhaus vai quase tanto tempo como o que nos separa do fim dessa escola. Foi um período onde o design funcionou no contexto da revolução industrial, do Império Britânico e da reflexão política, moral e religiosa sobre a sociedade inglesa. Era um design que já assumia características próximas das do design moderno mas com diferenças fundamentais – que tendem a ser desvalorizadas como excentricidades que haveriam de ser eliminadas posteriormente. Uma delas é a ligação entre o design e a tradição histórica – que o modernismo (como o nome indica) procurou eliminar.
Os problemas de relacionamento do design com a sua história derivam do desprezo modernista da tradição, que se tornaria identitário – desde a Bauhaus, a história não seria uma parte central mas secundária na formação dos designers. Desde o começo, que isso não garantiu realmente uma capacidade crítica em relação à tradição, antes a criação mítica de uma nova, instituindo o modernismo como modelo identitário para o design – fazendo dele uma tradição histórica.
Vendo a cronologia largada do design desde os seus começos como disciplina na primeira metade do século XIX até hoje, é possível verificar o período modernista, embora influente, foi mínimo. No caso do design gráfico, já havia tentativas de sintetizar o modernismo com abordagens historicistas ainda estava a funcionar a Bauhaus (veja-se o Novo Tradicionalismo britânico; veja-se Tschichold depois de renegar a Nova Tipografia). Em termos temporais, a maioria do design é pré ou pós-moderno.