Com “O Sol Voltou”, Luís Severo confirma o talento que já todos reconhecíamos
Se há artistas que rapidamente criaram para si um lugar na música portuguesa, Luís Severo é, sem dúvida, um deles. Com a sua voz doce, palavra certeira e, acima de tudo, com a sua mestria na composição, aquele que começou, há 11 anos atrás, enquanto Cão da Morte, está de regresso com o seu terceiro álbum em nome próprio. O Sol Voltou é o primeiro dos seus discos a ser inteiramente tocado e produzido por si.
A mudança faz-se sentir logo ao primeiro som: um baixo sintetizado que alastra sozinho, para que depois emerja, limpa, uma guitarra dedilhada. “Primavera”, assim se chama a primeira canção do disco, é um exemplo do som que marca todo o álbum, composto por uma base de piano, guitarra clássica, guitarra acústica e guitarra eléctrica, com os restantes sons sintetizados por cima. Como diz o próprio, consegue a proeza de ser, ao mesmo tempo, o seu álbum mais acústico e mais electrónico. A sonoridade aproxima-se dos singles lançados enquanto Flamingos, projecto que ainda mantém com João Sarnadas (Coelho Radiactivo), e a temática afasta-se da cidade, omnipresente no seu homónimo álbum anterior, para se aproximar da natureza e das estações, mas não largando aqueles que foram sempre os temas predilectos de Luís Severo: o amor e as relações.
O Sol Voltou é álbum de anseio, deambulando entre vários estados de espírito. Se às vezes estamos perante louvores apaixonados, rapidamente o tom se torna negro e o afastamento premente. Afinal, nenhum de nós sente sempre o mesmo, e parte importante nisso é aquilo que nos rodeia. Com a mudança do tempo e das estações muda também o nosso humor e o nosso estado de espírito, e aquilo que nos parece negro pode de repente abrir-se perante os raios de Sol e a brisa estival que a janela deixa entrar.
Não é de estranhar, portanto, que das declarações de amor em Primavera (“Só me reconheço em beijos teus”), passemos para canções de dúvida e afirmação. “Acácia” traz a melancolia e a perda “Pergunta ao pôr do sol / Se ele já te esqueceu / Acordei não vi o sol / E anoiteceu”, e “Quem me Espera”, a canção que encerra o disco, soa a desgosto (amoroso ou não), à partida de alguém que está, agora, em melhor lugar, à dúvida que nos assola a inesperada solidão. “Tu foste embora, ah, quem me espera?” é desnorte e decepção, mote para uma das melhores quadras do álbum, aquela que o encerra: “Se a resposta vem com o tempo, / e a Primavera já não passa do Chão, / é teimosia se ainda te lembro, / ou se te esqueço para lembrar o verão?”
Num álbum mais melancólico e menos pop, sente-se também um aproximar ao cancioneiro nacional. Como se notou com Éme em Domingo à Tarde, esta mais recente geração de músicos integrada em colectivos como a Cafetra, a Xita, ou a Spring Toast, largou grande parte das influências anglo-saxónicas para ir buscar algumas também cá dentro. “Cheguei Bem”, uma das faixas deste disco de Luís Severo, é interpolação do vira minhoto numa canção sobre o cansaço provocado pela vida de nómada a que uma profissão como a de músico obriga, uma impermanência tão bem ilustrada em versos como “Cheguei bem, mas já vou embora / Cheguei bem e até voltar / Parto pronto a chegar / E sou vou dormir quando os pássaros cantam”.
O Sol Voltou é mais uma prova de que Luís Severo não deve aos outros o seu talento nem se contenta em replicar a mesma fórmula. No seu primeiro disco de labor solitário, a flor de estufa pode ter virado bicho do mato, mas aquilo em que resultou foi o passo certo na discografia de um músico que está cá para ficar. Somos nós quem o espera.