Semear sobre pedras: “Livros a Oeste” ganha raízes
Passam o fulgor inicial e definham até à última edição. Acontece com alguns festivais literários. “Livros a Oeste” passou a fronteira entre motivação inicial e maturidade, no seu oitavo ano. Nem todos conseguem. Desde o ano em que a Lourinhã decidiu ter o festival até esta data, o Festival Literário da Gardunha não passou da quarta edição, o Festival Literário de Belmonte não passou da segunda, o de Santo Tirso (sobre jornalismo) ficou pela primeira enquanto o Festival Literário da Madeira terminou no oitavo ano. A Câmara Municipal da Lourinhã e o curador João Morales têm semeado entre pedras. Quem acompanhou o desenvolvimento do “Livros a Oeste” percebe que o programa tem aumentado em dias, actividades e público. E muito se deve à omnipresença do curador. Desde 14 até 18 de Maio, a Lourinhã foi palco para feira do livro, encontro com autores, poesia, performance, “Contação de Histórias”, teatro de sombras, apresentação de livros, música e formação “Recriar Narrativas”.
No sopé da Igreja de Santa Maria do Castelo, público e autores convergiram para as escolas, Biblioteca Municipal, Galeria Municipal e, principalmente, para o Auditório do Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira, onde aconteceram as mesas de debate.
No penúltimo dia do festival, já depois de Mário Zambujal, Afonso Cruz, Alice Vieira, António Manuel Ribeiro, Sérgio Godinho, Mário Augusto entre muitos outros autores terem participado, o auditório recebeu Carlos Fiolhais, Ana Cristina Silva, Filipe Homem Fonseca e Regina Guimarães. João Morales moderou o debate sobre “O binómio de Newton apaixonou-se – as letras da ciência e a ciência das letras”. Foi a quarta sessão nocturna da oitava edição.
Para o professor Carlos Fiolhais, a estética é motivação mútua. Por isso, cientistas e artistas cabem no mesmo palco.
Somos mais tocados pela arte do que pela ciência. Somos mais tocados por aquela senhora (Vénus de Milo), mesmo sem braços, do que por um binómio. No entanto há ligação entre estas duas dimensões do humano. São métodos diferentes para entrar nos mistérios do mundo. Pessoa, através de Álvaro de Campos, percebe que há ali simetria, afirmou Carlos Fiolhais que disse ainda: “Garanto-vos. A beleza esta lá. A beleza da matemática é a beleza do mundo.”
Tudo o que é humano foge ao quantitativo. É complexo. Como tal temos que estar preparados para a surpresa. Os artistas sabem isto muito bem. O homem é a mais difícil coisa de medir. A psicologia é uma tentativa de medir o ser humano.
Para Regina Guimarães, letrista e membro da banda Três Tristes Tigres, a ciência liga-se à arte porque ambas tentam responder aos mistérios do mundo. Temos um confronto com linguagem como temos com o atrito do real. Será a escrita capaz de abolir a morte?
A relação com o tempo parece atormentar Filipe Homem Fonseca. Para o autor de “A Imortal da Graça”, o peso da memória empurra-nos para a frente e para baixo; por isso parece que o tempo passa mais depressa. Se morrer aos setenta, pretende viver mil até à sua morte através da memória de outras pessoas. A literatura tem um papel fundamental. Podemos descobrir-nos através das artes dos outros, afirmou Filipe Homem Fonseca.
Ana Cristina Silva afirmou que a parte da escrita implica um transe, depois há a técnica, o trabalho sobre a linguagem, a intencionalidade. É a conjugação da parte científica com a criativa. É o que acontece nos seus livros, principalmente em “As Longas Noites de Caxias”, livro em que fala sobre personagens existentes no Antigo Regime.
Há mais motivos de interesse na Lourinhã. Além da aguardente e dos dinossauros, além da Igreja em estilo gótico construída no século XIV, se o leitor passar em meado de Maio, poderá assistir ao festival literário que a Lourinhã considera cada vez mais como seu.