“John Wick 3”, de Chad Stahelski, é um bailado contemporâneo de acção
Vivemos numa época pródiga em reciclagem cinematográfica. Refilmagem de obras antigas, expansão de universos fílmicos, sequelas, etc. Neste âmbito, franquias como “Resident Evil” ou “Missão Impossível” têm prosperado. Utilizando a iconografia do género que representam (ação, terror, thriller), os filmes desenvolvem um universo detalhado e com regras próprias, constituído por desafios (níveis) que o personagem principal tem de ultrapassar. A coerência narrativa e o desenvolvimento das personagens acabam por se tornar menos relevantes em detrimento do espetáculo proporcionado pelos realizadores.
Em “John Wick” (2014), primeiro filme da série, são apresentadas as motivações do ex assassino em voltar ao ativo para se vingar, construindo-se ao longo do tempo toda uma mitologia em volta dele, desde o apelido de bogeyman à malograda história do lápis. Para além das virtuosas cenas de ação o que impressiona é o nível de detalhe com que este universo é retratado, os códigos e regras que o regem. “John Wick 2” (2017) expandiu o escopo em termos geográficos (Roma), da utilização da cor, dos néons, da coreografia das cenas de ação, e mesmo da própria narrativa. A paradigmática cena final redimensiona a nossa perceção do mundo paralelo a que o filme pertence, um género de “Matrix” onde quase toda a população é composta por assassinos profissionais.
“John Wick 3 – Implacável” (2019) começa exatamente onde o anterior terminou. John Wick foi excomungado da sociedade de assassinos por ter cometido um homicídio dentro dos limites do Hotel Continental, encontrando-se em fuga e com a cabeça a prémio. Mais uma vez a narrativa em si é o menos importante e apenas um pretexto para submeter Keanu Reeves/John Wick a mais situações limite onde terá de utilizar toda a sua destreza. A dada altura no filme, e tal como no início do 2.º capítulo, voltamos a ver Buster Keaton projetado num ecrã, realizador/ator que se fazia valer da sua fisicalidade e uso do corpo para construir as suas comédias. Os paralelos são por demais evidentes.
O realizador Chad Stahelski abraça ainda mais o ridículo e a liberdade potenciada pelo final do filme anterior. Desde a cena de ação passada dentro dos estábulos utilizando os coices dos cavalos, à perseguição e luta em cima das motas, aos cães mortíferos da personagem de Halle Berry. Tudo é possível no sentido de maximizar o nível de espetáculo e entretenimento proporcionado ao espetador. Vislumbra-se também uma aproximação cada vez maior aos jogos FPS (First Person Shooter), latente na forma como os personagens não morrem, as armas vão variando conforme o cenário (nível) e a atenção minuciosa que é dada à troca de carregadores e municiação das armas.
A coreografia das cenas de ação volta a apresentar níveis elevadíssimos, qual bailado contemporâneo, comparação que o filme acolhe explicitamente na montagem dentro do teatro Tarkovsky (!) da dança das bailarinas colocada em paralelo com a invasão dos ninjas assassinos. O realizador demontra uma inventividade sem limites, criando dinâmicas sempre diferentes, alterando o cenário, o número de adversários e o tipo de arma a utilizar (de fogo, branca ou corpo a corpo). Se o clímax do capítulo 2 tinha ocorrido numa sala de espelhos dentro de um museu de arte, agora passa-se numa sala até então desconhecida dentro do Hotel Continental, onde os espelhos são substituídos por vidros, criando ilusões de ótica que permitem ao realizador ser ainda mais livre na forma como encena e coreografa a “batalha final”.
Apesar da narrativa perder um pouco o foco quando John Wick foge para Casablanca rapidamente se reencontra, voltando a investir na jornada do individuo que sozinho luta contra as regras que a “sociedade” lhe quer impor, sobrevivendo apenas pela perpetuação da memória da sua falecida amada.
Resta-nos esperar pelo 4.º Capítulo e perceber de que forma John Wick se pode reinventar e continuar a escrever esta bela página do cinema de ação americano.
Crítica escrita por Bruno Victorino