À descoberta de quem somos
Já não é novidade que a arte é resultado da produção daquilo que cada um é. É assim que consegue meditar e espelhar aquilo que a identidade foi construindo por si até hoje. Tudo isto é o resultado mais ou menos perfeito de uma imperfeição que representa o dom da humanidade de criar. A lacuna faz parte da mais exuberante obra. É o erro que humaniza a arte, tornando-a acessível a cada um. Todo o esforço criativo não se limita a processar automatismos que roçam a perfeição. Para que tal aconteça, reconhece-se que o homem não é uma máquina mas sim um ser dotado mas limitado. As limitações têm a possibilidade de complementar e de condimentar aquilo que se desenvolve através da criação. É nessas limitações que nos revemos.
Não conseguimos ser tudo aquilo que queremos, por mais que tentemos. É dura a realidade mas não tão castradora assim. Há a possibilidade de se sonhar e de se concretizar com fartura e folia, para além do usufruto que a fauna e a flora terrestre permitem numa inspiração duradoura. Desenvolve-se a necessidade de nos entregarmos àquilo em que realmente nos sentimos nós mesmos. Nada há mais identitário do que todo esse traçado que a arte propicia, apontando associações que nunca se descartam em tempos vividos e intensos na perspetiva de cada um. O trabalho em algo que não se aprecia torna-se excessivamente monótono, rotineiro. É enfadonho estudar anos a fio uma base condutora para o exercício de uma técnica mecanizada e automatizada que, apesar de tudo, nos serve a todos. Para isso, que surjam as máquinas.
O instinto de querer viver é maior do que qualquer outro. Porém, é silenciado pelo tal que aparece e que nos quer ver seguros e sustentáveis. São as premissas para que a vida seja desfrutada. No entanto, o que existe sem um sabor a insegurança? Dar tudo como garantido torna-se aborrecido. A arte não se garante na imaginação e na recriação mental do criador mas somente na sua materialização e vinculação com os demais. A arte é contacto, é a primazia da humanidade numa reunião que não se reconhece mas que existe e que está lá para quem quiser. É este primado do cultivo de ideias frescas e novas no exercício do prazer e da singularidade plural. A arte somos nós mesmos em ebulição.
Nesta eclosão, descobrimos emoções nunca antes sentidas, sensações nunca dantes usufruídas, porções nunca dantes reunidas. Uma revelação que se premeia na criação que cada um desenvolve e aprecia. De repente, deparamo-nos com a arte como o ponto em que nos afirmamos de verdade. Nesta agenda preenchida entre o mundo laboral e organizacional, eis que surge o instinto que nos faz ser distintos. É esta humanidade pela qual devemos estar gratos. É esta humanidade que devemos rentabilizar enquanto o dia decidir puxar por nós e brilhar.
Frame retirado do filme ‘2001: A Space Odyssey’, de Stanley Kubrick