Maria Agustina
Lembro-me de, aos vinte anos, me ter insurgido contra esta genialidade convinda e tive uma discussão fascinante, na Arrábida, com o meu padrinho João Bénard da Costa, a quem me queixei da falta de nexo arquitectónico nos romances dela. A resposta dele foi lapidar: «isso não interessa nada».
Acabei por perceber, com a passagem dos anos, que João Bénard tinha razão. Como disse a própria Agustina numa entrevista, se a vida é ela própria imperfeita, não há motivo para exigirmos à literatura perfeição engarrafada.
Agustina foi sempre muito adorada e também criticada, como de resto Sophia enquanto foi viva. Hoje ninguém duvida do génio absoluto de Sophia – como ninguém duvidará do de Agustina, agora que ela nos deixou. É um pouco o fenómeno Maria Callas: é preciso desvalorizar as críticas que inevitavelmente acompanham percursos artísticos demasiado desconcertantes na sua mescla de fulgurante genialidade e de inaudito arrojo. O tempo encarrega-se de mostrar as coisas como elas são. Agustina e Sophia não foram, em vida, aclamadas por todos os críticos; nunca foram aborrecidamente consensuais. Ainda bem.
Conheci Agustina uma só vez, num almoço no Porto em 2004, em que estavam presentes as irmãs Maria e Isabel, filhas de Sophia e de Francisco Sousa Tavares. Fiquei sentado com a Isabel na mesa da Agustina. A atenção com que a perspicaz escritora seguiu todas as conversas impressionou-me, assim como me impressionaram as suas intervenções, curtas, pregnantes, absolutamente arrebatadoras. A simpatia dela em relação a mim envaideceu-me.
Mas a coisa que mais me fascinou nesse almoço foi o facto de as filhas de Sophia tratarem a romancista, não por Agustina, mas sim por Maria Agustina. Nome por que a própria Sophia a tratava e, segundo me disseram, Eugénio de Andrade também.
Conhecer finalmente a Deusa! E perceber que nos enganáramos todos no nome dela.