Os rótulos sexistas dos nomes próprios
Há umas semanas atrás fiz um exercício curioso com um colega meu: encontrar um nome próprio masculino que tivesse uma conotação sexual pejorativa, que equivalesse a um sacana, um libertino que se entretém com diversas mulheres. Não encontrámos.
Ainda em pleno século XXI, existe entre os homens a chamada conversa de balneário onde subsiste, no limbo entre brincadeira e seriedade, uma série de estereótipos sobre as mulheres (lembremo-nos do “grab her by the pussy” do Donald Trump) ou outras questões e afirmações que, fora daquele contexto, soariam mal. A realidade da nossa sociedade parece assentar ainda numa predominância machista, onde o homem está isento de culpa ou de depreciação em muitas situações, muito à boleia também desta conversa que vos falei. Movimentos como #nãoénormal encabeçado por Diogo Faro sobre o assédio sexual são um primeiro passo para a mudança, mas é preciso mais. E começa por algo tão simples como os nomes.
Em Portugal, através de um aparente senso comum escondido pela cultura e tradição, é prática rotular estatutos sociais pelos nomes próprios. Cada classe escolhe o que acha adequado para que as próximas gerações perpetuem o estatuto. É por isto que temos uma panóplia de nomes associados aos betos, rurais, vulgares, hippies e todas as categorias sociais que nos lembrarmos. Na hora de arranjar nomes para os filhos, invariavelmente esta questão surge. E se esta prática me parece relativamente inofensiva, já o rótulo sexual dos nomes próprios é inadmissível. Mas existe.
Se fizermos o exercício que referi no início e procurarmos nomes femininos que sejam automaticamente rotulados como mulheres com comportamentos levianos e reprováveis pelo homem, não será difícil. A questão é de onde é que isto vem, esta certificação que certo nome feminino é sinónimo de ser uma desavergonhada. É que estes rótulos surgem cedo: no ensino secundário ou até ainda no ensino básico já se ouve este tipo de categorização. Umas das razões que eventualmente poderá explicar este fenómeno é a associação direta entre nomes de celebridades e escândalos ou ações públicas que tenham sido alvo de reprovação aos olhos do público em geral. Ou até que tipo de pessoa essa celebridade representa e como isso fica rotulado na nossa mente aplicando a quem conheçamos com nome igual. Outra razão, mais rebuscada, poderá vir da prostituição feminina em Portugal, se eventualmente existe um padrão na escolha dos seus pseudónimos e que nos remete para esta associação errónea. Ou se surge dos nomes que as cantoras pimbas escolhem e são interpretadas como ordinárias, seguindo um esquema mental parecido com o que referi. Ou se vamos ao ponto de rebaixar ainda mais as classes sociais humildes, apoiando-nos numa associação (uma vez mais, em pressupostos errados) que estas escolhem nomes vulgares e que têm sempre comportamentos de risco, levando a este tipo de conclusões.
Seja qual for a resposta, certo é que parece existir um legado negativo em certos nomes femininos que tem tendência a não desaparecer. Já no caso dos homens, existe uma isenção de qualquer rótulo sexual depreciativo. E mesmo que exista, como é o caso de Don Juan ou Casablanca, é sempre de glorificação e não de indecência. Porque continuamos a viver numa sociedade onde o homem é um herói pelas suas múltiplas proezas sexuais e a mulher é uma devassa se tiver o mesmo comportamento. E neste sentido, podemos seguir dois caminhos para a igualdade: ou começamos a arranjar rótulos semelhantes para o homem ou deixamos de rotular certos nomes femininos. Inclino-me fortemente para a segunda. À partida, esta questão poderá parecer secundária no meio de outras frentes que homens e mulheres estão a lutar na nossa sociedade. No entanto, não a acho dissociável e parece-me válida para combater a perpetuação de um estereótipo que não faz sentido.
A igualdade (também) começa pelo nome.
Crónica de Miguel Peres
Miguel Peres é um rapaz baixinho e criativo com várias vidas: trabalha em comunicação, é copywriter freelancer e argumentista de banda desenhada. É um apaixonado pela sua mulher, por cinema, comida e BD. Tem 2 livros publicados, diversas curtas publicadas em antologias internacionais, um selo editorial chamado Bicho.