Ainda somos da Soares
Em primeiro lugar, permitam-me uma declaração de interesses: estudei na Escola Artística Soares dos Reis durante todo o meu percurso do Ensino Secundário. A minha ligação àquele espaço e àquela gente é uma vivência na corda bamba. Assumi, desde o primeiro dia em que de lá saí, a defesa intransigente da Escola Pública e daquele projeto em particular – por acreditar nele. Contudo, a corda não treme por isso. Treme porque deixei (e muita gente como como eu que lá passou) uma parte importante da nossa alma. Continuo a afirmar que foram os anos mais fabulosos que vivi até hoje e acho que isso diz tudo. É muito possível que este texto verta esse sentimento, vou tentar estancá-lo a bem da racionalidade que se exige.
A Soares dos Reis do Porto, como a António Arroio em Lisboa, constituem uma oferta educativa e pedagógica diferente dos cursos profissionais e dos cursos científico-humanísticos. É melhor? Não coloco isso dessa forma; é diferente e deve ser preservada. Tem docentes contratados especificamente para trabalhar nas oficinas, desde a de olaria à de madeiras ou metais, passando pela ourivesaria ou fotografia e vídeo. A carga horária é mais elevada do que nas restantes ofertas educativas porque existe uma disciplina – Projeto e Tecnologias – que ocupa grande parte da grelha de tempos e do estudo dos alunos. A formação em contexto de trabalho (FCT) e a prova de Aptidão Artística (PAA) são eixos fundamentais daquele modelo pedagógico e, por fim, o desenho deixa de ser uma disciplina para se tornar o nosso companheiro de todas as horas: um caderno no bolso do casaco, no autocarro até casa, à hora de almoço na fila. Na retaguarda, estão os professores.
O que se passa com alguns dos professores da Escola Artística de Soares dos Reis é indigno. Ao fim de muitos anos num braço de ferro com o Estado, conseguiram integrar uma carreira. Os salários, que continuaram baixos, contrabalançaram a importante vitória de terem estabilidade laboral. Porém, ao fim de quatro anos, o Estado vem agora desdizer o que ele próprio admitiu: acha que existe um erro e que estes profissionais devem devolver parte dos salários que, justamente, receberam.
Independentemente da justeza da medida que combate a precariedade, o pior sinal que o Estado pode dar é rasgar um contrato social e de segurança social com os seus cidadãos. É o que acontece neste momento com estes professores, essenciais ao funcionamento das oficinas artísticas numa escola como a Soares dos Reis.
Ainda somos da Soares, não sai de nós. Solidariedade com quem ergue aquela escola, todos os dias!
Crónica escrita por Luís Monteiro, natural de Vila Nova de Gaia. O Luís é Museólogo e atualmente é Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia da República.