“Nothing Great About Britain”, de Slowthai: a excepção à regra
“Sip a cup of tea whilst we’re spittin’”, será que nos conseguimos lembrar de barras mais britânicas que estas? Talvez sim, talvez não, mas é certo que o seu autor consegue. Slowthai cospe esse verso poucos segundos depois de começar a sua estreia de estrondo, Nothing Great About Britain, mas no decorrer do álbum mostra-nos que tem muito mais para dizer sobre o seu país. Ao longo de 11 canções, o rapper nascido Tyron Frampton destila a sua visão revoltada e conturbada, sem nunca se esquecer do humano que está por trás do artista.
Frampton é um contador de histórias nato. As suas músicas criam vividamente espaços e sensações, conjuram uma rua inglesa de céu cinzento e povoam-na de personagens da classe trabalhadora, jovens desenfreados nas suas vivências e essencialmente desapontados com um país que cada vez menos reconhecem. Slowthai dá corpo a essa atitude, é um jovem com veia vincada de escritor, por vezes frustrado, por vezes megalómano mas sempre ele mesmo, um observador extremamente atento a tudo o que o rodeia.
Há uma certa atitude punk na maneira como se comporta e na sua entrega, e isso é extremamente claro em Nothing Great About Britain. A faixa título abre o álbum com grande critério, uma introdução no verdadeiro sentido da palavra. Estabelece o ambiente com um instrumental assustadiço e um relato vívido dos seus dias tresloucados intercalado por comentários pungentes sobre a sociedade britânica e sobre a experiência do rapper inserido nesse universo. Termina o tema de forma ambígua mostrando-se orgulhoso por ser britânico e insultando a rainha com unhas e dentes.
Para Slowthai, rainha só mesmo a sua mãe, como o descreve em “Northampton’s Child”, o tema que fecha o álbum. É uma história arrepiante e contada numa só respiração que soa metódica sem nunca perder a qualidade inerente a um rasgo de combustão criativa. Há uma secura electrónica tornada oriental e um refrão afectuoso e mais recatado que nunca esconde a crueza do relato de Frampton. O rapper prova que sabe abrir e fechar um álbum com extrema perícia mas as restantes canções não ficam aquém, muitas vezes com a sua cidade nativa como tela para o que descreve. Exemplo disso é “Dead Leaves”, em que o rapper revela o desdém pela apatia que vê nos seus compatriotas, mostrando-se à parte disso num instrumental distintivamente britânico.
E ainda que este tema e o álbum de uma forma geral tenham uma sonoridade inglesa – especialmente na impetuosa “Doorman”, com um baixo a emular o punk e uma entrega declamada de Frampton – há um momento em que viajamos para o outro lado do oceano: “Inglorious”. É um tema muscular, visceral, em que os 808’s do trap norte americano ecoam pelas terras de sua Majestade. Tem uma estrofe gritada por Slowthai e, no espectro oposto, um hook contemplativo fruto de uma ego trip ponderada, complementados por versos fanfarrões de Skepta que traz, à sua maneira, toda a intensidade de quem o convida.
Bangers à parte, a verdadeira arma de Slowthai é a empatia. Consegue colocar o ouvinte nos seus pés através de músicas extremamente pessoais mas cujos os sentimentos são gerais a qualquer um de nós. Em “Gorgeous”, divaga pelas suas memórias com uma batida sedutora e calorosa que acolchoa uma nostalgia escrita que todos nós já sentimos nos nossos tempos áureos de criança e nas aventuras preenchidas por uma imaginação explosiva. Relembra com ternura e de forma algo irónica o dia em que foi algemado com os amigos mas a sinceridade com que o descreve mostra que é uma memória que deixa saudade. Já em “Peace of Mind”, descreve a ansiedade de viver e os devaneios a que se entrega para a esquecer, num desabafo ameaçador e arrancado a ferros, curto mas que deixa uma marca duradoura. O carisma e a confiança de Frampton fazem com que a sua realidade e experiências o transcendam, tornando-se premissas gerais.
Em “Missing”, Slowthai desintegra-se nas suas inseguranças, numa era que cada vez mais nos propela a agir dessa forma, com um refrão arrastado sem grande vontade e uma guitarra profética que nunca deixa de se ouvir. Pelo meio, cospe versos confessionais e com muito que se lhe digam “When in Rome only drugs condone/ Cus real men cry and thugs go home”. É um homem que não tem medo de mostrar o seu lado mais sensível e assustado, mas que nunca recusa um desafio. “No man can ever call me junior”, diz-nos resoluto na íntima e doce “Toaster”. Há uma dualidade em perfeita harmonia na música de Frampton. O título que escolheu para o projecto não podia ser mais adequado pois em Nothing Great About Britain o rapper mostra que é a excepção a essa regra.