Afinal a guitarra eléctrica nunca me abandonou
Este ano vi dois concertos ligados a hip-hop/soul onde não imaginei que a guitarra elétrica tivesse uma presença tão forte: em Jacob Banks e em The Roots. Achava que tinha perdido esse som na minha adolescência.
Vou tentar não me prolongar numa retrospetiva dos meus gostos musicais, mas acredito que quem, como eu, nasceu no final dos anos 80, terá tido um percurso semelhante e se reveja nestas palabras. Como muitos de nós, sonhava ser um artista virtuoso já nos meus tenros 12 anos de idade, neste caso, um guitarrista. As influências musicais na altura focavam-se em duas grandes paixões: System of a Down e o álbum “Americana” dos The Offspring. A importância que a guitarra elétrica tinha nesta vaga nova de Nu Metal e Punk era gigante e, portanto, era natural querer seguir o mesmo caminho.
No ano a seguir, o “Issues” dos Korn e o álbum homónimo dos Slipknot faziam as delícias da minha adolescência. Hoje em dia, compreendo a preocupação dos meus pais. Os sons eram pesados, as mensagens (embora não ligasse nada às letras) eram muito fortes para um miúdo de 13 anos, mas aquela agressividade na guitarra e nos baixos era contagiante. Depois veio o sucesso da vaga definitiva do Nu Metal, que preconizou o gosto do grande público que nos anos a seguir ia acontecer: a eletrónica e o hip-hop. Tanto os Linkin Park como os Limp Bizkit misturavam os scratches e samples de DJ com batidas fortes e apostavam numa forma de cantar mais aproximada do Rap. E o meu gosto ia-se moldando a esta nova tendência e, aos poucos, ia- me esquecendo da guitarra elétrica.
Ela ainda sobreviveu no início dos anos 2000, através da reinvenção dos Muse, que entravam no reino rock progressivo, da onda indie rock dos Franz Ferdinand, dos Arctic Monkeys e Vampire Weekend, ou do emocore dos My Chemical Romance e Panic!at the disco. Sim, passei por estas bandas todas com o mesmo entusiasmo. A partir de 2011, deixei completamente o rock, a guitarra elétrica e só queria saber das mixtapes do The Weeknd e da sua melancolia after party. A partir daí só deu Drake, Kanye West, Frank Ocean e Kendrick Lamar, entre outros. O vício agora era pelos beats que mexiam com o meu corpo, com as vozes R&B e com a realidade que não conhecia dos hoods norte-americanos. Não significa que durante este tempo, até aos dias de hoje, a guitarra elétrica não estivesse presente nos artistas que referi. Perdeu foi, a meu ver, o protagonismo como guia espiritual nas músicas que ouvia. E o reflexo desta realidade está espelhada no alinhamento dos principais festivais de verão de Portugal. É um exercício engraçado e interessante ver como a tendência e gosto mudou e que, tal como eu, muitos outros transitaram de metal pesado para hip-hop com uma certa naturalidade, quase sem dar conta. Estava convicto que a guitarra elétrica não ia sobreviver nos próximos anos, que embora haja diferentes géneros musicais que a usam em abundância, se ia refugiar no nicho onde foi mais feliz, numa nostalgia apoiada por aqueles fãs acérrimos que se mantém fiéis a um estilo.
Deparo-me hoje, tanto no concerto dos The Roots como de Jacob Banks, que este instrumento mais uma vez reinventou-se, que joga tão bem com estes novos caminhos musicais e que, apesar de eu a ter deixado na minha adolescência, ela afinal nunca me abandonou.
Crónica de Miguel Peres
Miguel Peres é um rapaz baixinho e criativo com várias vidas: trabalha em comunicação, é copywriter freelancer e argumentista de banda desenhada. É um apaixonado pela sua mulher, por cinema, comida e BD. Tem 2 livros publicados, diversas curtas publicadas em antologias internacionais, um selo editorial chamado Bicho.