Um génio chamado Alejandro Jodorowsky
“I want to make pictures that simulate the effects of LSD”. Esta é uma das frases mais repetidas de Alejandro Jodorowsky, mestre do cinema surrealista mundial. Chileno de origem, cineasta, actor, cartomante, escritor e fundador da Psicomagia, Alejandro é o verdadeiro criador, com muito mais dentro dele do que o tempo natural de vida permite mostrar. Megalómano, louco, sonhador, mas ao mesmo tempo com uma personalidade dura e objectiva, Alejandro desde cedo sonhou bem mais alto do que aquilo que o seu país, um Chile em guerra civil, e os seus pais, limitados na visão de educação (queriam que ele fosse um médico bem sucedido), o permitiam ser. Tudo isto pode ser visto, experienciado e revisitado no seu mais recente filme, Poesia Sin Fin, em exibição por alguns cinemas nacionais.
A sua história pelo cinema faz-se de sucessos e frustrações. Em 1970 criava uma das suas obras mais icónicas, El Topo, um western sobre uma figura imortal e a sua travessia por um deserto repleto de desafios. Este sucesso fez-se ecoar pelo mundo fora e atraiu a atenção de diversas figuras ilustres, entre as quais John Lennon, que decidiu financiar o próximo filme de Alejandro, mais uma das suas obras primas, The Holy Mountain (1973), o verdadeiro filme com efeito LSD. Marilyn Manson, Nicolas Winding Refn e outras figuras importantes, são seus fãs destacados, mas mesmo com essa popularidade e aclamação, feita também através da sua escrita para banda desenhada, o realizador chileno não tem conseguido captar muitos investidores para o cinema nos últimos anos. A sua adaptação de Dune, filme baseado na obra eterna de Frank Herbert, nunca chegou a avançar, talvez por ser demasiado megalómana e complexa de executar, com uma previsão de cerca de 15h de filme, banda sonora de Pink Floyd, com actores como Salvador Dali e Orson Welles, cenários de H.R. Giger e muitas dificuldades de produção (para mais detalhadas explicações impõe-se o visionamento do documentário Jodorowsky’s Dune).
Revoltado com a forma como os grandes estúdios geriam a parte criativa dos realizadores, Alejandro isolou-se do grande cinema comercial e tentou sempre arranjar financiamento privado que lhe permitisse libertar todo o seu génio, sem barreiras, sem tabus, sem limites. Em 1990 realiza The Rainbow Thief, um filme que juntava novamente no grande ecrã Peter O’Toole e Omar Sharif (depois do estrondoso sucesso de 1962, Lawrence of Arabia). O filme foi um fracasso de bilheteira e fechou definitivamente as portas do grande cinema a Alejandro, que se dedicou mais fortemente à psicomagia e escrita para banda desenhada.
A psicomagia segue, metaforicamente, a ideia de Holy Mountain, de que devemos libertar-nos de todos os nossos bloqueios sociais e que o sucesso depende de nós. Em suma, a felicidade pura. Em The Holy Mountain, Alejandro encaminha o espectador numa espécie de viagem transversal ao mundo físico, onde as regras sociais (sexo, capitalismo, racismo, etc) são destruídas e onde o ser humano volta a nascer com um estado puro de aceitação de todas as coisas belas. A psicomagia, filosofia fundada pelo realizador, obedece um pouco a estas regras. O Tarot é parte fundamental desta filosofia, assim como diversas práticas terapêuticas.
Alejandro Jodorowsky criou, ao longo dos anos, um legado quase impossível de replicar, muito graças ao seu génio único, provavelmente impossível de encontrar neste planeta, e às suas convicções, marcadas por influências bastante fortes e um genuíno sentimento de “DIY” (sigla para “do it yourself“).
Poesía Sin Fin, o seu mais recente e possivelmente último filme, é uma obra inesquecível e genuína, uma travessia pela sua infância e origem do seu “eu” criativo. A narrativa assenta na realidade mas sempre com vários toques de surrealismo, projecções reais da mente do mestre.
Uma das melhores formas de acompanhar o dia a dia do mestre é seguir a conta de Instagram de Pascale Montandon, a sua actual companheira:
https://www.instagram.com/p/BNeSaPLBoiO/
Texto de: João Miguel Fernandes