A vida é lá fora
Enquanto as nossas vidas vão correndo, o mundo vai mudando e transformando-se. Desde o início que o homem foi criando ferramentas conforme as suas necessidades, mas nunca se produziu de forma tão intensa como nos tempos que correm. Uma das criações que fazem mover o mundo e o tornou numa aldeia global é a Internet. Talvez muitos já não se lembrem e até a considerem um dado adquirido, mas esta apenas surgiu em meados da década de 80 do século XX.
Esta breve introdução serve para ir de encontro ao que procuro abordar com o leitor: para que tipo de indivíduo caminhamos? Na minha opinião, tão válida como qualquer outra, vivemos neste momento uma crise de valores, embarcada na onda do politicamente correto. Exprimir ideias sobre qualquer assunto parece necessitar cada vez mais de um escrutínio exigente que tem de obedecer a vários parâmetros para se poder considerar válido. E a que devemos isso? Às redes sociais, os cafés do século XXI. Estas são cada vez mais um local onde opiniões são difundidas e criticadas apenas por haver um conjunto de pessoas que não concorda com elas. Podem ambos os lados ter razão, mas a abertura à ideia do outro é nula e o insulto gratuito.
Um dia ouvi Ricardo Araújo Pereira dizer que antes, quando o Facebook não fazia parte das prioridades de nenhum de nós, um homem que dissesse barbaridades num café não passava disso mesmo: um homem a dizer barbaridades num café e a quem ninguém ligava. Contudo, hoje, esse homem pode exprimir livremente e partilhar com o mundo os seus pensamentos, e estes são levados a sério. A visão é engraçada, até porque acontece. Hoje em dia, qualquer um pode dar a sua opinião e saber o que os outros pensam. Se é positivo? Depende.
Vivemos numa nova era, onde uma mão desocupada por um telemóvel é um lugar estranho para quem se senta no sofá de casa. É rara a pessoa que se senta apenas para ouvir música, ler livros ou, imagine-se, simplesmente descansar. Nas mesas de jantar, durante as refeições, o telemóvel chega a receber mais atenção do que a pessoa que se encontra ao nosso lado. É indiscutível, as redes sociais tornam-nos egoístas. Gostamos que o mundo digital conheça as nossas fotos, opiniões e convicções que defendemos, mas por vezes nem reparamos na roupa que traz quem nos acompanha.
O cidadão que gosta de ler está em vias de extinção. Há dias, enquanto aguardava pacientemente uma consulta lendo um livro, a pessoa que me recebeu dirigiu-se a mim dizendo ‘’temos aqui um erudito’’. O que significa isto? Que hoje já não é normal ver-se alguém ler na rua. O usual e incontestável é, enquanto se espera, pegar no telemóvel e ir dedilhando no ecrã. Para mim, isto é um claro sinal do sítio para onde, infelizmente, caminhamos.
Por vezes ponho-me a pensar: se a internet acabasse, como reagiriam as pessoas? Vejo um conjunto enorme de erros e defeitos na sociedade, mas que não merecem uma expressa preocupação dos contribuintes. No entanto, se o anúncio apocalíptico do fim da rede que liga o mundo surgisse, como reagiria a população? Eu não sei a resposta, mas tenho uma ideia.
Com isto não quero dizer que a criação da internet seja má, mas é preciso saber dosear e, sobretudo, filtrar. Há imensa qualidade em artigos que por aí se encontram, assim como vídeos convidativos e até música que as rádios infelizmente não tocam.
Ainda assim, o mundo não é aqui, no ecrã. A vida é lá fora, onde os pássaros cantam e os rios correm. Onde o padeiro coloca o pão à porta e o carteiro entrega cartas. Onde grandes amigos se abraçam e há sorrisos na esplanada.
Temo que a nossa sociedade esteja a caminhar para um novo período, onde cada vez seja menos usual o convívio entre nós. Onde pequenos ecrãs substituam vivências. Onde a opinião do outro, se não for concordante com a nossa, é criticada e a pessoa negativamente catalogada. Onde as próprias relações humanas fiquem atrofiadas pelo pouco hábito de dialogar frente a frente. Em relação às crianças, espero que continuem a jogar à bola na rua e a brincar às escondidas. Que não vivam constantemente agarradas ao telemóvel nem criem vícios. São eles o futuro, e nós os responsáveis por eles.
Para mim, não há nada mais nobre e prazeroso do que conversar sobre qualquer coisa. Reunir amigos e deixar a conversa desenrolar com toda a naturalidade. Prometo, é das melhores coisas que podem experienciar. Não deixem que isso morra.
Texto de Bernardo Oliveira
Por vezes caminho com Fernando Pessoa, noutras sento-me com Saramago. Nos escritos, solto um olhar em Miguel Esteves Cardoso, enquanto Ricardo Araújo Pereira me vai segredando ao ouvido. Relaxado, vou-me alegrando com Salvador Sobral. Tudo isto enquanto a História que estudo vai lentamente prosseguindo. Eu só desfruto disto.