A nossa relação egoísta com a Natureza
O Homem tem uma relação estranha com a Natureza: destrói-a sem piedade, mas ao mesmo tempo, exige que a mesma seja a solução dos seus problemas através de produtos feitos a partir dos segredos escondidos no fundo da floresta.
Desde que nascemos que estamos prometidos à Natureza. Contraímos matrimónio sem grande voto na matéria, já que a Natureza é um casamento à antiga, arranjado há milénios.
Já cá estava, à espera.
Mas se antes havia um respeito mútuo, um equilíbrio na relação, hoje assumimo-nos como a parte caprichosa do casal. Somos incapazes de mudar de hábitos na nossa rotina, em nome da preguiça. Exigimos que a Natureza tenha paciência connosco, que somos mesmo assim, que sabemos que estamos mal, mas também há que aceitar e adaptar às nossas necessidades. Ela não entende que, pelo bem do avanço da civilização, devia fazer um esforço para esticar os seus recursos naturais. No entanto não percebemos que, através da nossa gula e egoísmo, queremos que haja café das arábias, cacau tropical e água límpida ad eternum.
E isso não é possível.
Nem é exequível que continuemos a ignorar as boas práticas sustentáveis de hoje e depois queiramos ir ao supermercado comprar um champô de extrato de seiva de uma planta descoberta pelos incas. Porque é esse contrassenso que vivemos: não são os produtos artificiais que cada vez procuramos mais. É, pelo contrário, o voltar ao bio, à origem, ao sabor original da comida e do contacto com o que é natural. E queremos que a alquimia das farmácias descodifiquem os nossos problemas, que a tecnologia seja a salvação, mas chegamos à conclusão que as mezinhas da avó também tinham a sua função curadora.
Mas essas receitas estão a desaparecer, são nostalgia queimada na Amazónia, derretida no Ártico.
Todo este discurso parece velho e cansado, soa a mais do mesmo, porque parece que não se fala noutra coisa. É chato. Tantos anos de relação com a Natureza acabou em saturação e não parece haver fantasias para reavivar a paixão. Estava tudo tão bem, tinham de vir agora com invenções que Ela tem os seus limites e que a sua paciência está a esgotar-se. Como em tantos outros relacionamentos hoje em dia, se calhar em vez de lutar para voltarmos ao equilíbrio do início, mais vale acabar. É mais fácil, cada um vai para o seu lado.
Mas não é bem assim.
Porque se pensarmos que o melhor é pedir o divórcio, que na partilha de bens vamos ficar a ganhar, estamos todos enganados. Quando dermos por nós, a casa está vazia e ficamos sem nada. Será o fim do mundo e não há outra companheira que ature a nossa bagagem emocional.
Está na hora de irmos à terapia de casais e assumirmos a culpa.
Texto de Miguel Peres
Miguel Peres é um rapaz baixinho e criativo com várias vidas: trabalha em comunicação, é copywriter freelancer e argumentista de banda desenhada. É um apaixonado pela sua mulher, por cinema, comida e BD. Tem 2 livros publicados, diversas curtas publicadas em antologias internacionais, um selo editorial chamado Bicho.