O que dizem os programas dos partidos para as eleições legislativas?
Com um total de aproximadamente 424 mil palavras e tendo em conta que uma pessoa normal lê uma média de 200 a 250 palavras por minuto, um português demoraria, no melhor caso, cerca de 28 horas para completar a leitura dos 13 programas eleitorais aqui analisados.
O que pretendem transmitir os partidos a disputar os assentos da Assembleia da República? Que sentimentos são transmitidos ao leitor aquando a leitura de cada programa eleitoral? Quão fácil (ou difícil) é a leitura do programa eleitoral de cada partido? Qual o partido que gera mais discussão nas redes sociais? E qual gera mais notícias na Internet? Quem gastou mais dinheiro? Quem gastou menos?
Inspirado por um artigo da Renascença intitulado “O que dizem os programas dos partidos para as europeias?” de 21 de Maio de 2019 (Rui Barros e Rodrigo Machado), em que os autores procedem a uma análise estatística ao conteúdo de cada programa eleitoral para as europeias de 26 de Maio, proponho neste artigo uma série de visualizações de dados baseadas em informação disponível na Internet relacionada com os programas e campanhas eleitorais dos partidos a concorrer às legislativas.
Que dados vão ser analisados? E como?
O conteúdo do programa eleitoral de cada partido, sempre que disponível em formato digital na Internet, vai ser objecto de análise para:
- Identificarmos as palavras mais usadas em cada programa eleitoral. Nesta análise vou comparar a frequência de uso de certas palavras-chave entre partidos (por exemplo, em qual programa predomina o uso da palavra SNS?).
- Identificarmos os sentimentos básicos que prevalecem no texto (i.e., confiança, medo/receio, surpresa, tristeza, repulsa, ira, expectativa e alegria). Isto é possível através do trabalho de Saif M. Mohammad e Peter D. Turney, que construíram uma lista de palavras anotadas com o(s) respectivo(s) sentimento(s) que transmitem. Por exemplo, a palavra abandono aumenta em um ponto a classificação de tristeza e medo.
- Calcular a pontuação no Teste de Flesch por cada programa. Este teste afere a facilidade de leitura do texto e tem por base o seu número de palavras, frases e sílabas.
Para além da análise aos programas eleitorais, os debates televisivos e radiofónicos, e os números do financiamento eleitoral de cada partido são objecto de análise.
Programa Eleitorais
De forma a analisar os programa eleitorais para as legislativas tive de, primeiro, obtê-los em formatos digitais. Este passo, por mais simples que pareça, fez surgir alguns aspectos que, para mim, se revelaram curiosos.
- Dia 9 de Setembro, a menos de um mês para o dia das eleições, apenas 9 dos 21 partidos tinham os seus programas eleitorais disponíveis nos seus respectivos websites (i.e., PS, PSD, BE, CDU, CDS, PAN, Aliança, Livre e PURP). A Iniciativa Liberal tem apenas um resumo do seu programa disponível, estando a versão integral protegida por password até à data de hoje (9 de Setembro).
Actualização: o programa da IL já está disponível aqui.
- Alguns dos partidos ditos mais “pequenos” apenas disponibilizam os seus manifestos, onde expõem a sua ideologia, não referindo medidas concretas para a legislatura a que se candidatam, como é o caso do PCTP/MRPP. Estes casos não foram considerados para análise.
- Alguns partidos têm os seus websites inactivos (MPT, PPM, e PTP?/PTP), não havendo forma de obter os seus programas eleitorais. Dos partidos com websites activos, muitos não são atualizados há bastante tempo.
Os 13 programas eleitorais recolhidos podem ser encontrados aqui.
O que dizem os Programas Eleitorais?
O primeiro passo para responder a esta questão consistiu em identificar as palavras-chave mais utilizadas em cada programa. Desta forma, os programas eleitorais (existentes maioritariamente em formato PDF) foram convertidos em texto simples para serem submetidos a um script que realizava esta tarefa automaticamente. Neste processo de conversão não foram considerados índices, cabeçalhos nem rodapés.
No caso da CDU, visto ser uma coligação entre PCP e Os Verdes, os respectivos programas foram combinados, traduzindo-se num só programa.
Uma vez disponíveis em ficheiros de texto, os programas passaram por um processo de limpeza, que descartava as palavras mais utilizadas da língua portuguesa. Este processo permitiu que palavras como “uma” e “a” não aparecessem na lista de palavras mais utilizadas. Excluindo tais palavras, chegamos à conclusão que palavras como “social”, “nacional”, “serviços” e “saúde” estão entre as palavras mais utilizadas. No entanto, seria interessante fazer esta análise por partido.
Como os partidos a concorrer às legislativas não são todos iguais, podemos reparar que há palavras que dizem mais à esquerda e outras à direita ou que dizem mais a partidos “grandes” e “pequenos”. Por exemplo, dos partidos com assento parlamentar, palavras como “empresas”, “economia” e “fiscal” estão mais presentes nos programas dos partidos da direita. Já “acesso”, “direitos” e “serviços” são palavras que estão muito presentes nos programas na esquerda parlamentar.
Tendo em conta as ideologias de cada partido, é natural perceber o porquê de, por exemplo, o termo “animais” estar bastante presente no programa do PAN e “trabalhadores” no da CDU. Já nos partidos PNR e Chega!, as palavras “nacional”, “cidadãos” e “portugueses” podem remeter aos seus ideais de valorização do nacionalismo português. As palavras mais utilizadas por partido estão ilustradas na imagem abaixo.
A extração das palavras-chave mais utilizadas e a sua representação em word clouds teve por base uma visualização em tabela desenvolvida em Tableau, uma ferramenta dedicada à visualização de dados de forma interactiva. Nesta visualização poderás consultar as palavras mais utilizadas por partido e pesquisar palavras-chave. Por exemplo, analisar a distribuição da utilização da palavra “saúde” pelos programas disponíveis.
Esta visualização está ordenada pelo peso da palavra nos programa eleitorais. O peso é calculado por número de vezes que aparece no texto / número total de palavras. Esta escolha deve-se ao facto de os programas diferirem bastante no número de palavras, pelo que não seria justo comparar o uso do termo “saúde” num programa de 10 mil palavras com um de 100 palavras visto que, em teoria, o termo iria aparecer muitas mais vezes no primeiro.
Alguns factos interessantes que retirei desta visualização foi que, por exemplo, o PS não usa o termo “esquerda” no seu programa. Este facto faz sentido, tendo em conta a intenção de António Costa em distanciar-se dos partidos de esquerda e obter a maioria absoluta (mais aqui). Já a uso de palavras referentes a alterações climáticas é comum em todos os partidos, exceptuando PNR, Chega! e PURP.
Poderás explorar o uso das palavras-chave nesta visualização.
Muito nos dizem…
Com um total de aproximadamente 424 mil palavras e tendo em conta que uma pessoa normal lê uma média de 200 a 250 palavras por minuto, um português demoraria, no melhor caso, cerca de 28 horas para completar a leitura dos 13 programas eleitorais aqui analisados.
No ranking do número de palavras utilizadas, os programas do PS e CDS destacam-se como sendo os mais extensos, com cerca de 67 mil palavras cada um. Já o programa do Nós, Cidadãos!, PURP e IL estão entre os menos extensos. Isto deve-se ao facto de:
- o programa da IL existir num formato resumido, estando a versão integral disponível protegida através de uma password e, por essa razão, inacessível.
- os programas do Nós, Cidadãos! e PURP serem um conjunto de medidas que, não sendo um manifesto ideológico, materializam os seus ideais numa base comum para as diferentes eleições a que se candidatam.
Só entendedores entenderão…
Para aferir a facilidade de leitura, cada programa foi aplicado ao teste de Flesch. Este teste, depois de aplicado, gera uma classificação de 0 a 100. A classificação máxima significa que o texto poderá ser interpretado facilmente por um estudante de 11 anos, e a classificação mínima significa que somente pessoas com graus universitários conseguirão interpretá-lo.
O teste de Flesch tem em conta o número de frases, palavras e sílabas num texto. A obtenção desta informação foi obtida de forma automática por um script dedicado a tal, podendo revelar alguma ineficácia na identificação de certas frases ou sílabas.
O teste foi originalmente desenvolvido para a língua inglesa, sendo que tive de fazer algumas alterações para adaptá-lo à língua portuguesa. Estas alterações tiveram por base o trabalho desenvolvido por quatro investigadores da Universidade de São Paulo (mais aqui).
Tendo em conta a explicação dada anteriormente sobre os programas do PURP e IL (que consistem na enumeração de várias medidas de forma resumida, sem uma explicação para o que deu origem às mesmas), os seus resultados no teste de legibilidade foram algo inesperados, revelando-se talvez não adequados para tal teste, devido à sua estrutura. O programa do PNR e Chega! foram aqueles que tiveram melhores resultados, ficando os programas do PAN e do Livre nos últimos lugares da classificação.
Poderás explorar esta visualização com mais pormenor aqui.
Que sentimentos transmitem?
Através de uma análise estatística do conteúdo de cada programa eleitoral, procurei identificar os sentimentos básicos que prevalecem nos textos. Esta análise foi feita a partir do trabalho desenvolvido por Saif M. Mohammad e Peter D. Turney que permite identificar os oito sentimentos básicos presentes num texto: alegria, confiança, tristeza, expectativa, surpresa, repulsa, medo e ira.
Isto é possível através da comparação entre o texto e uma lista de palavras anotadas previamente com os sentimentos básicos que transmitem. Por exemplo, a palavra “abandono” está associada a tristeza e medo. Se a palavra existe no texto, a pontuação destes sentimentos será incrementada em um valor.
Cada palavra presente no texto de cada programa foi processada e comparada com tal lista. Se presente na lista, os respectivos sentimentos associados à palavra foram registados. No final, a percentagem relativa de cada sentimento foi calculada para cada programa eleitoral. Estes dados estão ilustrados na imagem abaixo.
Confiança é o sentimento que prevalece em todos os partidos. No entanto, ninguém o transmite melhor que o CDS, que consegue 34,91% neste indicador. Os sentimentos de surpresa e repulsa são compreensívelmente os mais evitados por estes 13 partidos a concorrer às legislativas. O sentimento de ira está mais presente nos programas da esquerda parlamentar (BE e CDU) e nos programas de PURP, Chega! e PNR. Tal pode ser devido à matriz marxista contra as injustiças dos primeiros (tal como apontou a Renascença) e devido ao discurso populista (e nacionalista no caso do Chega! e PNR) dos restantes.
Já a IL destaca-se no sentimento de alegria, com 15,82% neste indicador. IL também lidera o indicador da expectativa (17,24%), seguido por PS (16,68%) e Livre (16,27%). O PURP lidera no indicador da tristeza (15,17%) e do medo (17,13%).
Poderás explorar esta visualização com mais pormenor aqui.
Debates políticos
Em relação ao ciclo de debates eleitorais que as televisões e rádios transmitem nas semanas que antecedem o dia das eleições, existe uma grande disparidade entre os partidos com assento e os partidos sem assento parlamentar.
Debates entre partidos arrancam esta segunda-feira. Vê o calendário completo
Relativamente aos partidos com assento parlamentar, os líderes do PS e do PSD terão 8 debates cada um, seguidos pelo BE, CDS e PAN com 6 e CDU com 4 debates. O número reduzido de debates com participação de Jerónimo de Sousa deve-se ao facto de as televisões terem decidido que só os debates com António Costa e/ou Rui Rio seriam em canal em aberto, sendo que todos os outros estariam distribuídos entre RTP3, SIC Notícias e TVI24, algo que indignou o líder do PCP.
Para o PCP, tais decisões contribuem para um “tratamento desigual assumido na sua concepção garantindo uma organização de debates baseada em partidos de primeira (PS e PSD) e de segunda categoria” [Fonte]
Os partidos sem assento parlamentar só terão uma oportunidade de expor as suas ideias (debate conjunto). Tal falta de representatividade na comunicação social levou Pedro Santana Lopes, líder do Aliança, a deslocar-se à Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) para exigir mais “tempo de antena” para os pequenos partidos. [Fonte]
Orçamentos Eleitorais. Quem gasta mais? Quem gasta menos?
Os dados relativos ao orçamento eleitoral são disponibilizados pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP). A ECFTP é o órgão que fiscaliza as contas anuais dos partidos políticos e das contas das campanhas eleitorais para todos os órgãos políticos electivos (nacionais, regionais e locais). A informação relativa às despesas e receitas de cada partido nas legislativas de 2019 está disponibilizadas aqui.
Com um total de mais de 8 milhões de euros despendidos nas respectivas campanhas, a maior fatia do orçamento é do PS, que tem a intenção de gastar 2,4 milhões de euros. Segue-se na tabela os partidos com assento parlamentar na legislatura corrente, exceptuando o PAN que, com um orçamento de 138.885€, se vê ultrapassado por Aliança, Chega e Reagir-Incluir-Reciclar.
Um dos factos que mais se destaca é o de que, segundo os valores apresentados, o MPT demonstra a intenção de não gastar qualquer valor na sua campanha.
As visualizações podem ser consultadas aqui e aqui.
Fundos. De onde vêm? E para onde vão?
Segundo o ECFP, as receitas apresentadas podem ser categorizadas em angariação de fundos, contribuição de partidos políticos e subvenção estatal; e as despesas em brindes (e outras ofertas), comícios e espectáculos, concepção da campanha, custos administrativos e operacionais, estruturas, propaganda e outros.
Explorando as visualizações é de notar que IL, Chega! e Nós, Cidadãos! apresentam as suas receitas como provenientes totalmente da angariação de fundos; CDS, MAS e PTP com 100% das receitas provenientes da contribuição de partidos políticos; e Aliança, JPP, Livre, PAN, PS, PSD e RIR da subvenção estatal.
Em relação às despesas, PNR dedica mais de 90% do seu orçamento em propaganda e comunicação impressa/digital; MAS é o que atribui mais percentagem do seu orçamento em estruturas, cartazes e telas, seguido de Chega! e PTP; PAN é o partido que atribui a maior fatia do seu orçamento em custos administrativos e operacionais (perfaz cerca de 60% do seu orçamento); em relação à concepção da campanha, agências de comunicação e estudos de mercado, IL é o partido vencedor com 30% do seu orçamento dedicado a estes aspectos de campanha; BE é o partido que dedica maior parte do orçamento em comícios e espectáculos (49,33%).
Artigo e estudo feito por Rafael Figueiredo.
O Rafael tem 24 anos e é estudante de Mestrado Integrado em Engenharia Informática na FCT-NOVA. Para além disso, interessa-se por jornalismo baseado em dados reais e defende uma política governamental de dados abertos.