Já se pode ouvir o disco homónimo de Tainá
“Parece que não me encaixo/às vezes me acho/uma anomalia”
Tainá, em Sonhos
Depois do sucesso do primeiro single “Sonhos”, e de um Verão repleto de concertos de Norte a Sul do país, entre os quais alguns nos mais importantes festivais nacionais, Tainá edita hoje o álbum de estreia, partilhando connosco o seu universo singular, tão fresco mas simultaneamente tão denso, que chega a gerar perplexidade uma cantora e compositora tão jovem demonstrar um tal grau de profundidade e subtileza. O disco está a partir de agora disponível em todas as lojas e plataformas de streaming.
“Um embalo. Mas também um estalo. A apresentação de uma voz clara, que nunca se esforça, que nunca grita ao longo das doze canções que a revelam, traz lá dentro as inquietações – quase todas as possíveis, mais as que mal se imaginam – de uma idade, de uma circunstância, de uma série cruzada de episódios que valem como ideias, ou vice-versa, mas sobretudo de uma essência. Espanta perceber que tudo o que Tainá canta (com duas co-autorias de permeio) é composto, escrito, desenhado e, sobretudo, sentido por uma só pessoa. Mais: por alguém que está a chegar à exposição pública, que se estreia em disco, conseguindo à primeira o que tantos perseguem uma vida inteira: assertividade e horizontes abertos, simplicidade sem primarismos, maturidade sem máscaras, uma quase permanente inquietação que nos conduz, sem pressas, a voltar a cada uma das propostas – e, insiste-se, são nada menos de uma dúzia, como postais (muito) ilustrados que documentam, sem burocracias, uma sensibilidade particular.
Há, porventura, pormenores reveladores: todos os títulos de Tainá não precisam de mais do que uma palavra para ganharem identidade e alcance. Ambas as “marcas de água” são sublinhadas por uma instrumentação firme mas suave, capaz de dispensar sempre o supérfluo e de projectar cada um dos versos, sem os suplantar com exageros e sem os abandonar a uma “exclusividade” rústica – criando-lhes o conforto sonoro indispensável, mas não os afogando em expressões de realce, dotando-os do ambiente que, por parecer óbvio, acaba por ser muito mais delicado de alcançar. De alguma forma, acompanha-se o que a cantora quer dizer. E diz bem, como no momento em que joga com “senti” e “sem ti” (“Senti”), ou no outro em que se confessa, admitindo “parece que não me encaixo/às vezes me acho/uma anomalia” (“Sonhos”), ou ainda nessoutro em que vinca uma convicção ao lembrar que “o amor é urgente/tem pressa por ser presente” (“Reverbera”), para mais adiante lembrar que “um caminho rápido não é maduro” (“Limiar”). Outra – boa – surpresa: o dueto com Janeiro (“Acontece”), a provar que as portas já estão abertas a presenças que signifiquem mais-valias artísticas.
Com uma doçura que perturba, com uma “visão periférica” do(s) seu(s) mundo(s), Tainá não foge das suas realidades – a procura de si mesma, do amor, dos amigos, da felicidade e das respostas – mas não esconde as dúvidas que nos assaltam a todos (ingénuas ou eternas?). Nem finta a solidão, as contradições, os anseios, os impulsos, os desejos, que são comuns a toda a gente, mas que nem todos sabem expressar desta forma. Percebe-se, daquilo que fica à disposição, que esta artista que agora nos fica próxima vai crescer, e muito. Chega a cantar que “o caminho se faz no caminhar” (“Caminho”), evocando um sempre presente verso do espanhol Antonio Machado, “se hace camino al andar”. Mas seria um enorme desperdício não a conhecer desde já, em estado bacteriologicamente puro, bem apoiada por uma produção que resiste à tentação das redundâncias e sabe criar-lhe uma área protegida que faz justiça a cada um dos seus manifestos, pessoais mas muito transmissíveis. E universais, mesmo se considerarmos que “Apuana” é a prova de que o Brasil continua a latejar em Tainá, mesmo que ela tenha trocado as margens do Atlântico. Este disco é uma estrela de doze pontas – e nem precisa de ser simétrica, essa estrela, porque, brilhando a cada passo, rejeita a monotonia e sabe que a luz só se percebe se também houver sombra. Temos festa, até por nos voltarmos a encontrar com um conceito feliz: o do intimismo universal.”
Palavras de João Gobern, em Abril de 2019.