Balanço destas estranhas eleições
Ontem foi dia de eleições e eu não quero esconder o meu entusiasmo. Adoro votar. É o único dia em que percebo a malta que segue a Casa dos Segredos. Aliás, o Parlamento é uma espécie de Casa dos Segredos mas sem pessoas de Rio Tinto.
Outra coisa em que as eleições se assemelham aos reality shows é nos grafismos. Aliás, a minha teoria é que eles usam gráficos de barras já testados no Big Brother e assim. Cenas em 3D, muitas cores, números e fotografias. Uma pessoa fica sem saber se está a ver o telejornal ou a mandar um ácido numa festa de drum’n’bass.
As eleições são também o dia em que o José Rodrigues dos Santos é possuído pelo espírito da Teresa Guilherme. Como é que aquele homem que, todos os dias mete uma cara imperturbável e fria, de repente se torna um daqueles brasileiros do Viva Melhor? Ele fala tão rápido e tão entusiasticamente que no fim da noite eu sinto-me preparado para fazer um filho e dá-lo à IURD.
Durante o dia, as televisões fazem diretos do momento em que os diferentes políticos votam. Segue-se uma curta declaração na qual estes apelam ao voto e dizem onde passarão o resto do dia. Normalmente, as respostas são convencionais. Primeiro, almoçam com a família. Depois seguem para as diferentes sedes. Este ano, Tino de Rans decidiu inovar e dizer que ia acompanhar as votações no café com os amigos enquanto bebia umas minis. Estou em crer que Rui Rio se juntou à festa porque, apesar da derrota clara, diz que se tratou de um resultado positivo. Claramente viu o número de deputados eleitos pelo PSD a dobrar.
Contudo, confesso que fiquei contente com a vitória do PS. Não por questões políticas, mas por questões de ginástica. Ver António Costa aos saltos faz-me pensar que pessoas com barriga de cerveja e inscrições de ginásio em stand-by têm representação.
Também aprecio bastante a coerência de Catarina Martins. Ver alguém de Gaia à frente de um partido que pretende a legalização das drogas leves faz todo o sentido. É uma questão de estímulo à economia local.
Ao contrário da maior parte dos analistas, não acho que a CDU tenha sido derrotada. Penso que o resultado mais baixo foi mesmo de propósito. É que tendo em conta o eleitorado tradicional do PCP faz sentido haver menos votos. Com menos votos, os resultados ficam fechados mais cedo e os velhinhos não têm de ficar acordados até tão tarde.
O que me deu pena foram os figurantes do CDS. Aquela malta atrás da Cristas estava com uma cara abatida. Parecia um funeral. Bem, de certa forma foi. O funeral da liderança da própria Assunção Cristas. Há uns meses, a líder do CDS sonhou ser segunda nas eleições e acabou apenas com mais um deputado do que o PAN. O que aprendeu Assunção Cristas? Que mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. Que não devemos armarmo-nos em carapau de corrida senão acabamos como um jumento a olhar para um palácio.
Os animais foram mesmo um dos grandes vencedores da noite. Não falo do PAN, falo do CHEGA. André Ventura, conhecido comentador de futebol, foi eleito para o Parlamento. Ter um xenófobo no Parlamento é um desastre tão grande que a sua eleição devia ter sido anunciada com um Alerta CM. A questão é que André Ventura é mesmo o primeiro candidato a ser eleito pelo círculo CMTV. Resta esperar que os debates parlamentares não calhem em dia de Liga dos Campeões e o candidato grunho possa estar presente no plenário.
O Livre também elegeu uma deputada pela primeira vez. Temos uma mulher, negra e gaga, na assembleia. Joacine Katar Moreira dançou para festejar uma eleição que foi mesmo mesmo decidida no fim. Confirma-se algo que já se sabia: pode demorar mas ela chega lá.
Ainda não percebi bem mas, ao que parece, outro partido conseguiu assento parlamentar. A Iniciativa Liberal, acho que é assim que se chama. É que eu vi malta de camisinha a falar de inovação e negócios pelo que não percebi bem se era um partido ou uma repetição de um Shark Tank.
Lamentáveis foram os números da abstenção. Talvez a solução passe por ter voto televisivo com um 760 e oferta de um vale em compras para as pessoas votarem. Talvez, em vez de tempo de antena, os partidos devam ter um confessionário e fazer nomeações. Metade dos portugueses decidiu não contribuir. Mas tenho a certeza que escolherá reclamar. Citando a cientista política mais acutilante da atualidade, a minha mãe, digo-vos “Não comes sopa, não há sobremesa”. Por isso antes do pudim flan, uma colherada de brócolos. E, já agora, um pouco de noção.