Carta aberta a Manuel Bourbon Ribeiro
Após ler a “Carta aberta ao meu país” publicada hoje no jornal online Observador.
Caro Manuel,
Ao contrário de ti, não vou começar esta carta com deliberações de grandeza nacional que, ainda que tenha a certeza de que demonstrem o quanto aprendeste com a professora de história lá do colégio, estão por estes anos já um pouco ultrapassadas. Quando tiveres mais uns aninhos vais perceber que a grandeza de um país é de pouca substância e que criticar é tanto um direito como um dever que não é nem deve ser cingido àqueles que tu consideras que têm autoridade intelectual para o fazer. Se calhar não te apercebeste deste facto, uma vez que fazes dos teus 17 anos uma característica especial, mas a democracia que nos permite a cada um de nós criticar o estado das coisas já por cá anda há uns 44 anos.
Caso também não te tenhas apercebido, a universalidade da educação é um feito histórico e a sua gratuitidade um direito constitucional. Se achas que é chato que esta tal escola gratuita e para todos, sem olhar a classe ou origem, te “impinja coisas sem sentido” como a igualdade fundamental entre homens e mulheres ou a educação sexual, eu arriscava-me a dizer que, por muitos que queiras ter liberdade de escolha para optares por outra escola, não vais conseguir é optar por estudar no século XIII.
Se afirmas que queres ter liberdade para escolher o que fazer com a tua saúde, ótimo, estamos de acordo, até porque a despenalização da eutanásia que críticas é isso mesmo que faz: dar a opção a cada um de escolher o seu destino final da forma que achar mais digna, sem preconceitos alguns. Quando também achas que deves poder ir ao hospital que queres, apenas te posso dizer que fico feliz por ti, por efetivamente teres essa possibilidade. E para os que não a têm? Há os impostos que os teus pais pagam que servem, em parte, para financiar hospitais públicos que garantam que ninguém morre por não poder pagar os privados onde tu vais. Sim, porque não acredito que quando te referes aos rendimentos que o nosso país te tira, queiras dizer que já sofreste o que é a precariedade laboral em que tantos jovens um pouco mais velhos que tu e eu vivem e, que eu saiba, as mesadas ainda não são tributadas.
Quanto à natureza dos nossos governantes, a história geralmente mostra que qualquer governante que não é questionado ou escrutinado tem um caminho muito mais fácil para a “grandeza”. Mas é mesmo essa grandeza desmerecida que tem de ser explicada nas escolas e desenterrada (por vezes literalmente) de um passado histórico entrincheirado. Se quiseres falar de corrupção, também o lamento em todas as suas dimensões, mas talvez tenhas mais a aprender sobre isso com aqueles com quem partilhas o teu nome do meio do que comigo.
Eu sei que tens 17 anos, eu tenho 20, a diferença talvez não seja assim tanta, mas porventura 3 anos sejam suficientes para tomar atenção às contradições dos outros: não deixa de ser engraçado que fales em falta de democracia no nosso país por teres um governo que, para todos os efeitos, governou durante 4 anos com um apoio da maioria dos deputados eleitos ou que questiones a legitimidade de uma decisão referendada democraticamente há já 12 anos.
Posso não ter muitos mais anos de vida do que tu, mas sei que a nossa geração, a outra parte com que tu não te cruzas no teu dia a dia, resultado de um Portugal ainda desigual e classista, está farta da demagogia e preconceito com que tu e outras vozes à tua direita propagam a sua mensagem.
Artigo de André Francisquinho
O André tem 20 anos e é aluno da licenciatura de Economia na Nova SBE