António Araújo: “Na lógica da Guerra Fria, dividir Berlim era um dano colateral aceitável”

por Fumaça,    12 Novembro, 2019
António Araújo: “Na lógica da Guerra Fria, dividir Berlim era um dano colateral aceitável”
António Araújo e Sandra Dias Fernandes / Fotografia de Fumaça

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“(…) Há um traço comum a todos os muros que se erigem, na China, na Alemanha, no Médio Oriente ou na fronteira do Sul dos Estados Unidos. Os muros visam criar uma barreira ao contato entre seres humanos. Comungam, no fim de contas, do eterno mas utópico ideal de fazer parar a História, que se desenvolve da ação e na interação dos homens. Qualquer muro retira aos cidadãos aquilo que lhes é mais essencial: a liberdade de escolher.” No caso do muro de Berlim, escreveu o historiador António Araújo numa recensão sobre o livro “O Muro de Berlim – 13 de Agosto de 1961 – 9 de Novembro de 1989”, de Frederick Taylor, a “tentativa de congelar a marcha irreversível do tempo” da República Democrática Alemanha (RDA) foi além da asfixia da escolha dos seus cidadãos, procurando vedar-lhes o conhecimento de tudo o que se passava do outro lado.

Na madrugada de domingo, dia 13 de agosto de 1961, quando a construção do muro começa, com o fecho dos acessos da Porta de Brandenburgo, já uma “Cortina de Ferro” separava as duas Alemanhas e os seus sistemas políticos – capitalista de um lado, sob a égide dos Estados Unidos da América, Inglaterra, França; comunista do outro, administrado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A solução encontrada pelos vencedores nas conferências do pós-II Guerra Mundial, que culminou com a divisão da Alemanha e de Berlim em quatro partes, em Postdam, em 1945, mostrara as fissuras logo no ano seguinte.

Em 1946, os russos vetaram as primeiras eleições livres em solo alemão após a derrota nazi. Em dezembro, Estaline ergueu uma cortina de cimento, arame farpado, torres de vigia e vedação elétrica, que se estendia ao longo de 1400 quilómetros. Dois anos depois, as diferenças ideológicas de dois blocos que lutavam pela hegemonia global culminam com o bloqueio de Berlim pelos soviéticos. Durante quase um ano, as áreas controladas por EUA, Inglaterra e França subsistiram como uma ilha, abastecida apenas por via aérea. Em 1959, as fronteiras da Guerra Fria eram já controladas por milhares de guardas.

Em 1961, segundo Frederick Taylor, milhares de pessoas saíam do Leste para Oeste a um ritmo de 20 mil por mês. No último dia antes da fronteira ser completamente fechada, a 23 de agosto, mais de 2500 pessoas fugiram. Durante 28 anos, dois meses e 26 dias, o muro de Berlim separou famílias e amigos. Escreveu a historiadora Anne Applebaum que “nunca houve dúvida de que o muro foi projetado não para afastar os fascistas, mas para manter os alemães orientais dentro”.

Até ao dia 9 de novembro de 1989. Nessa noite, numa conferência de imprensa transmitida em direto, Günther Schabowski, porta-voz do partido comunista da Alemanha Oriental, anunciou a entrada em vigor de uma lei que concedia aos cidadãos da RDA vistos permanentes de circulação, permitindo-lhes cruzar livremente a fronteira. Um jornalista questionou: A partir de quando? Visivelmente confuso, Schabowski respondeu: “Imediatamente”.

Depois destas palavras, as pessoas tomaram conta das ruas. Berlinenses cavaram a sua passagem pelo muro, treparam, festejaram poderem ser livres. A atmosfera nos dias seguintes era de revolução, descreveram os jornalistas portugueses enviados para Berlim.

30 anos depois, ao vivo no Podes – Festival de Podcasts, em Lisboa, António Araújo e Sandra Dias Fernandes, cientista política, especialista em relações internacionais, discutiram a construção e derrube do muro a que os soviéticos chamaram a “barreira de proteção antifascista” mas, também, como não se deu, ali, o fim da história.

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