Opinião. Afinal o contexto da obra de arte conta?
Desta vez aconteceu-me com um livro: li o “A Horse walks into a bar” de David Grossman e, embora tivesse gostado da estrutura e até da forma de escrever, a história não me tinha cativado particularmente. No entanto, perante uma obra que tinha ganho o “Man Booker International Prize” de 2017, fiquei com dúvidas se tinha tido a capacidade intelectual para chegar e apreciar a ideia/mensagem que o autor queria passar ou se simplesmente era uma questão de gosto pessoal. Ao assistir a uma entrevista ao escritor, o mesmo contextualizou a obra de um ângulo que não me tinha apercebido e fez-se luz. O que tinha sido apenas mais um livro mediano para mim, tornou-se acima da média. Este fenómeno, no entanto, só fez crescer o dilema que por vezes me debato – o que é que é válido na apreciação de uma obra?
Por um lado, no caso que referi, a apreciação “virgem” da obra devia ser a que prevalece, já que é o primeiro impacto a cru que é genuíno. O que sentimos imediatamente a seguir a ver um filme, uma peça de teatro ou um livro, deixa-nos uma marca negativa ou positiva que nos impele de a defender com afinco com quem está connosco. Esse sentimento a quente, fervoroso de argumentação devia servir como apreciação válida da obra que acabámos de consumir. Mas, a menos que vivamos fora da sociedade, vem sempre depois o outro lado, o das críticas que lemos, as opiniões de quem respeitamos, as entrevistas que assistimos e até factos que nos são apresentados – o contexto. E, sendo mais ou menos permeável a essa influência, a nossa apreciação acaba sempre por mudar. O que era algo antes puro, torna-se uma amálgama indistinguível que apaga as nossas primeiras impressões. Mas no final de contas, também esta miscelânea não é a parte boa de apreciar a obra de arte? A evolução da nossa opinião? Ou é uma deturpação da mesma?
Porque o contexto tem também uma questão menos abonatória e que tem sido tema nos últimos tempos – a controvérsia à volta da pressão para os museus retirarem quadros de Gauguin por alegado sexo com jovens e chamar aos polinésios (tema recorrente nas suas obras) de “selvagens” ou a mesma questão nos quadros de Balthus no Met em Nova Iorque porque os visitantes se sentiam chocados pelos seus temas de jovens raparigas meio despidas. Esta é o eterno tema, que não tenho tempo de discorrer, entre apreciar a obra de forma distinta do seu autor e da sua vida pessoal, mas que está correlacionado porque este contexto conta no momento da análise do quadro.
Finalmente, há ainda a aura que a obra tem: se o livro que li não tivesse ganho nenhum prémio, dar-me-ia ao trabalho de procurar o contexto? Confesso que não. Porque existe já uma deturpação inicial que é esta pré-validação feita por outros que condiciona o que achava que era uma apreciação inocente. Já vem enviesada e, portanto, torna-se praticamente impossível apreciar obras conhecidas desta forma naïve. O contexto nunca deixou de contar.