Opinião. O que faz falta é libertar a malta
Após uma breve análise, impulsionada pela marxista brasileira Rita Von Hunty, do que foi a obra de Theodor W. Adorno (filósofo, sociólogo e compositor alemão), o qual dedicou parte da sua vida a estudar o comportamento das classes trabalhadoras americanas, chego à conclusão que a indústria da cultura é o novo ópio do povo.
Duas das questões que Adorno tentou responder ao longo da sua vida foram: “O que faz o proletariado quando não está a trabalhar?” e “Com o que ocupa o seu tempo livre?”. A resposta pode parecer simples, mas é extremamente complexa. O capitalismo e a sua vontade desenfreada de obter lucro conseguiram, nos meados da Segunda Guerra Mundial, que parte da classe operária não questionasse o modelo de sociedade e de produção vigente. A indústria da cultura oferece uma tranquilização total das massas, afastando-as da verdadeira cultura, aquela que nos faz questionar qual é o sentido da vida e que é feita por homens e mulheres do povo.
Ter os trabalhadores alienados é a forma que o capitalismo hoje encontra para se perpetuar na vida das pessoas. Seja pela questão musical (onde a música mais consumida transmite apenas mensagens de amor infinito entre duas pessoas, afastando, assim, toda e qualquer produção de pensamento), ou pelo meio como nos é transmitido um noticiário.
Façamos uma pequena reflexão sobre a forma como estão construídos os telejornais: começam com uma notícia de corrupção associada a uma PPP e, logo de imediato, passam para a presença de Montenegro na Maçonaria. Esta forma de apresentar notícias, com um estilo parecido ao de uma linha de produção, torna o público mero espetador, no sentido literal da palavra: apenas assiste, sem jamais questionar.
Grande parte do entretenimento que nos chega pelos mais diversos meios, principalmente pela internet e televisão, serve apenas como anestesia de um dia de trabalho árduo. Por alguma razão os feeds das redes sociais e do Youtube são infinitos: existem vários estudos que indicam que nos esquecemos do grosso do que vemos lá e grande parte do que encontramos é completamente inútil à nossa existência.
O neoliberalismo usa a indústria da cultura não apenas para alienar a classe operária para que esta não rompa com o seu modelo, como também a usa para obter uma mais-valia ainda maior. A publicidade vende-nos o que o capitalismo jamais nos dará: verdadeira qualidade de vida. Quando vemos um anúncio publicitário (no intervalo do CM Jornal, antes do vídeo do Youtube começar ou no meio dos Stories do Instagram), na verdade o que eles nos estão a tentar vender não é o produto, mas sim o contexto que nós achamos que vamos adquirir se comprarmos aquilo que eles anunciam. Por alguma razão os anúncios no período natalício são todos à base de uma família alegre feliz e com muita abundância na sua vida. Esta técnica de marketing, baseada numa mensagem subliminar, faz com que as pessoas pensem que ao comprarem aquele determinado produto, ficam sem qualquer problema, seja ele o crédito que devem ao banco, a depressão causada pelo assédio laboral ou a falta de dinheiro para pagar medicamentos.
Com a atual tecnologia, a atual produção e com o avanço da ciência era possível que os problemas que hoje a sociedade sente fossem completamente exterminados. No entanto, temos um povo adormecido por um travão cultural e psicológico, que impede as pessoas de lutarem, e um governo que insiste em dar menos de 1% para a verdadeira cultura no nosso país.
Acabo esta reflexão com uma música do grande Zeca Afonso: “O que faz falta é… avisar a malta, dar poder à malta, acordar a malta, agitar a malta. O que faz falta é libertar a malta.”
Crónica de Eduardo Couto
Ativista estudantil no ensino secundário, membro da Comissão Coordenadora Distrital do Bloco de Esquerda de Aveiro e organizador da Marcha LGBTI+ Aveiro.