Opinião. Nunca conheci quem tivesse levado porrada
São já inúmeras as horas por mim vividas, e frequento ainda o estádio daquilo que se designa por juventude. Nessa azáfama cada vez mais gritante a que se chama vida, percorro sempre que posso as ruas de forma atenta. Gosto de ver os senhores do café a servir à mesa, assim como casais de mãos dadas ou crianças fazendo birras na rua. Tudo tem a sua beleza ou curiosidade, mesmo que não seja percetível à primeira vista.
O mundo das pessoas é cada vez mais virado para o seu ego. As pessoas gostam de falar de si, das suas inúmeras conquistas e feitos assinaláveis. Defeitos? Claro que não têm. A maioria das pessoas vê em si uma espécie de entidade divina que, mesmo não querendo admitir, se encontra uns furos acima de todos os seus pares. Faz-me lembrar um poema de Álvaro de Campos: ‘’Nunca conheci quem tivesse levado porrada’’, onde o sujeito poético conta nunca ter conhecido alguém que tivesse sido derrotado no confronto físico ou noutras situações que colocassem em causa o brio pessoal, excetuando o próprio.
A citação acima referida, que é engraçada e atual, resume bem aquilo que diversas personalidades vão por aí deixando dito. Não é que seja algo comum a todos os habitantes do mundo, mas infelizmente é cada vez mais recorrente na nossa sociedade. O que importa é aparecer, dizer-se que se fez. Se se fez bem? Que interessa? A fotografia que depois se coloca na rede social é muito mais importante.
Todos temos defeitos. Parece um contrassenso, mas até algumas pessoas que vão à missa pecam minutos antes de entrar na igreja porque deixam o carro mal-estacionado, comprometendo a normal circulação dos outros veículos. E não me questionem se é verídico, porque já assisti a esta situação mais do que uma vez.
No entanto, a existência do egocentrismo faz com que se esqueça que vivemos em sociedade, e que necessitamos dela para nós próprios vivermos. Infelizmente, o tratamento que muitas vezes damos aos outros não é o merecido. Quantas vezes reconhecemos ao outro o valor e importância que tem para nós? Quantas vezes perguntamos se está tudo bem tendo realmente a preocupação de saber se, de facto, está tudo bem?
Quando assisti ao filme Joker e à série Unbelievable verifiquei que, de facto, as relações interpessoais são de extrema importância. Sem sabermos ou termos consciência, podemos estar a boicotar personalidades mais sensíveis que necessitam de outro tipo de tratamento.
Engane-se quem julga que existe uma única solução para resolver os problemas de todos nós. Não somos todos iguais. Vamos marginalizar quem precisa de ajuda? Nunca, porque caso aconteça, a sociedade à qual pertencemos falhou.
Eu sei que é utópico pensar desta forma, mas penso que não custa tentar ser melhor pessoa. Mostrar simpatia com o homem do café e agradecer-lhe. Não disparatar ao menor erro na estrada. Procurar ser atencioso para a pessoa que parece perdida na rua. Se o fizéssemos, todos sairiam a ganhar. A vida funcionaria de outra forma. E o sol teria outro brilho.