Opinião. Celebrar a fuga de Peniche e a liberdade
Passaram ontem 60 anos pela fuga de Peniche. E hoje o Partido Comunista celebra a data no lugar onde tudo aconteceu. Álvaro Cunhal e nove dos seus camaradas (onde se incluíam Manuel Serra, Chico Martins Rodrigues, Jaime Serra e Francisco Miguel) conseguiram realizar a fuga impossível, a que o Estado Novo jamais suspeitaria que alguém pudesse tentar depois do sucesso da tentativa de António Dias Lourenço.
Um ato de coragem e de heroísmo que Dias Lourenço (o homem mais valente que conheci) tinha tido uns anos antes. Escapou-se da solitária e saltou para o mar onde nadou até à vila de Peniche. Sem qualquer ajuda conseguiu escapar-se e provar que tudo era possível, que tudo é sempre possível.
Um ato de heroísmo de Tereso na espetacular fuga no carro blindado de Salazar, em Caxias. Tereso fazendo-se passar por colaborador dos guardas e da PIDE (o que o levou a ser humilhado por pessoas que considerava amigas durante longuíssimas semanas) conseguiu criar as condições para a fuga de oito camaradas que o destrataram nos meses anteriores.
Um ato heróico parecido com o de Edmundo Pedro que entrou no Tarrafal aos 15 anos. Ao seu lado tinha o pai e para trás deixara o irmão, um ano mais velho que, uns meses antes, fora sovado por um polícia numa manifestação de estudantes e viria a morrer no hospital. Edmundo, como me confessou várias vezes, não conseguia esquecer a voz do irmão a gritar “não quero morrer, não quero morrer”. O Edmundo que resistiu 20 dias na tenebrosa “frigideira” que me abstenho de explicar aqui.
Como ato heróico foi o de Alda Magro, Helena Pato e de tantas outras mulheres humilhadas na PIDE. Queimadas nos mamilos, com as unhas arrancadas, obrigadas à tortura do sono ou a estarem cobertas de mijo, merda e sangue da própria menstruação.
Não é bonito, pois não? Sei que não. Mas foi assim que aconteceu. Por isso, tenho respeito pelos comunistas, nunca o tendo sido. E por isso hoje é fundamental celebrar ao lado dos comunistas o sacrifício que tiveram em nome de uma ideia de liberdade. E é por isso que me indigna ver uns fedelhos dizer que devemos é celebrar o 25 de novembro e não o 25 de abril. Fedelhos que nunca tiveram de fazer um sacrifício na vida e que nunca tiveram de arriscar rigorosamente nada – quanto mais a sua vida. Alguém teve de fazer o trabalho sujo. Alguém teve de resistir ao Estado Novo. Com o risco e a morte de muitos. É indecoroso ouvir alguns abrirem a boca para falar do 25 de abril sabendo nós que nunca moveriam uma palha para que a ditadura caísse.
Não sou comunista, mas não me peçam para não os respeitar. Conheço-os. Sei quem foram, quem são. Malta rija que não quebra.