Opinião. Ter a SIC como líder é melhor para todos e o Governo Sombra mostra isso
Esta sexta (10), quando for meia-noite e um quarto, vai para o ar na SIC o Governo Sombra. É a primeira vez em muitos anos que um programa de debate e comentário político tem lugar nas noites da televisão generalista.
Ricardo Araújo Pereira, Pedro Mexia e João Miguel Tavares, moderados por Carlos Vaz Marques, saem assim do respeitável reduto que é a TVI24 para a montra de um dos canais abertos. Saem também para aquele que é, neste momento, o mais visto de todos os canais em Portugal.
O meu primeiro parágrafo pode ser contraditado por quem disser que o debate tem tido lugar em horário nobre no sinal aberto com o Prós e Contras, da RTP1, mas permitam-me dizer que pessoas a discutir nem sempre significa debate, e que o bitaite ainda não tem direitos de equiparação a comentário.
E vamos agora à questão fundamental deste artigo: Porque é que é melhor que seja a SIC a liderar? Os últimos meses têm demonstrado que um líder de audiências tem também o papel de ditar as tendências para o restante mercado, e a direção liderada por Daniel Oliveira tem sido extremamente hábil a gerir o avassalador primeiro lugar que conquistou. Evitando deslumbramento perante o caos organizativo que a TVI tem demonstrado, o canal de Paço de Arcos tem paulatinamente testado novos formatos, novas ideias e reintroduzido outros estilos nos vários horários.
E isto é uma diferença espetacular perante os 15 anos de liderança da TVI, que fez exatamente o contrário: Testou um ou dois formatos, encontrou fórmulas, repetiu-as e decalcou-as exaustivamente. Foi assim, com esta liderança conservadora, que avançámos para um mercado televisivo de pensamento único, onde a telenovela se impôs como linguagem dominante e o reality-show, produzido em fileira interminável, se tornou o altar da estética chunga kitsch.
Mas o que a SIC está a fazer é algo de espantosamente inovador? Não. Basta recuarmos pouco mais de 20 anos, espreitar as grelhas da estação quando era dirigida por Emídio Rangel e percebemos isso. Sim, havia uma dose generosa de telenovelas brasileiras, mas também havia séries nacionais, telefilmes, informação diversificada e entretenimento no horário nobre dos dias úteis. Até séries estrangeiras, como o lendário Rex, assumiam horários importantes no dia.
O Governo Sombra, com uma magnífica cereja no topo que se chama Ricardo Araújo Pereira, é a prova derradeira do arrojo que a SIC tem tido como nova líder. O canal está em primeiro lugar de forma tranquila com as apostas que tem tido atualmente ao fim da noite; e um programa de comentário político que fechou 2019 com uma média de 0,5% de rating no Cabo está longe de dar garantias infalíveis, mas ainda assim, escolhem arriscar.
Neste momento, os três maiores canais ainda concentram cerca de 50% da quota de mercado, mas o desgaste tem sido intenso ao longo dos últimos anos. Perante uma programação cada vez mais monotemática, o público mais jovem, com mais capacidade financeira e mais educação tem virado as costas à televisão tradicional. Aos bons programadores cabe o papel de gerir este desgaste ou, por outro lado, de evitá-lo e combatê-lo? Acredito que a experiência congregadora dos momentos televisivos – como quando “o país” se junta a ver o Sozinho em Casa – tem de ser estimada. E isso faz-se a criar novos momentos e novos marcos neste meio democrático e acessível a todos que é a televisão aberta.
A SIC tem valorizado a televisão com esses riscos que tem tomado. Quando trocou o esquema de uma novela de mais de 300 episódios por uma “série” de pouco mais de 100, chamada Golpe de Sorte, quando escolheu a saudável Árvore dos Desejos para o horário nobre de sábado, ou na altura em que decidiu que Júlia ia deixar de ter um 761 de valor acrescentado, porque este tipo de passatempo não cabia num formato que valoriza a conversa.
Introduzir, com sucesso, novas ideias na televisão, abre espaço a que outras coisas novas possam surgir. É sempre demasiado cedo para dizer coisas destas, mas estou convencido que a era Love On Top da televisão portuguesa terminou. E, depois das “experiências sociais” da SIC com o Casados e o Agricultor, até a TVI já diz que quer ter um elenco mais diverso no próximo Big Brother.
Este texto é da autoria de Pedro Miguel Coelho e fui publicado originalmente em Espalha Factos.