Paulo Gonçalves seguiu viagem para um outro Dakar
Impressionantes as imagens da chegada do corpo de Paulo Gonçalves a Esposende. Milhares na rua, centenas de motards a acompanharem a última viagem de um herói – porventura do maior herói de uma cidade que se uniu para a despedida. Ouvi e comovi-me com o minuto de silêncio, um silêncio ensurdecedor o daquelas tantas pessoas que se transformaram numa só.
Estou a ouvir a minha canção preferida dos Madredeus. “Coisas Pequenas” canta a Teresa Salgueiro. E Paulo Gonçalves, que amanhã será sepultado, era amado por todos precisamente por ousar ir tão longe mantendo-se tão perto dos seus. E também por não se importar de perder tempo para ajudar quem vinha atrás. Ou por ser o primeiro a amparar quem precisava de ser amparado no deserto onde acabaria por morrer. Ou para acudir os colegas que caíam. Ou para ser o Speedy, como era conhecido no pelotão do Dakar, o mais rápido. Coisas pequenas que, afinal, são maiores.
Paulo nunca ganhou a prova das provas. Ficou em segundo lugar há uns anos, mas nem por isso era o mais requisitado pelos colegas, pelas marcas, pelos jovens aspirantes ao deserto, pelos que se iniciavam na inclemente corrida contra si próprios ou para dentro de si próprios, o que é a mesma coisa.
Diz quem com ele conviveu que nas noites de deserto falava de Esposende. Contava das praias, dos ranchos das procissões, do verde, dos dois filhos que brincavam como ele brincava. Os filhos e a mãe deles, a família que construiu e o viu partir em dezembro para mais um deserto. O seu último deserto.
Tantas notícias hoje. A do polícia que espancou uma mulher por ser preta. Que a pôs dentro do carro e a humilhou à frente de uma menina de oito anos. Por serem pretos e certamente nas suas doentes cabeças abaixo de humanos – como qualificar o comunicado de um sindicato da PSP que envergonha qualquer pessoa de bem? Tantas notícias. A do gestor de Isabel dos Santos que se suicidou.
E outras, tantas.
Mas só me ocorre escrever sobre o homem que foi ao deserto e se perdeu para agora o encontrarmos e nos encontrarmos a nós com o que realmente interessa.
Paulo era um homem bom. Que por um dia possamos celebrar a história de um homem bom que ousou desafiar o deserto. E que chegou hoje a Esposende para que amanhã possa seguir viagem para um outro Dakar onde o espera uma corrida de gigantes.