Não existe má publicidade, ou uma crítica a “J’accuse”, de Roman Polanski
Mais um filme histórico francês, mais uma visão de Louis Garrel adornado, qual árvore de Natal, com parafernália de modo a reinventar as suas feições, falhando miseravelmente em fazê-lo parecer qualquer outra pessoa que não ele próprio. Um fait–divers cuja banalização (Le Redoutable (2017), Un peuple et son Roi (2018)), sob condições normais, nada mais seria senão a dissipação da derradeira razão para se ter interesse num novo filme de Roman Polanski. J’accuse, contudo, não estreia comercialmente em Portugal sem os seus crachás apelativos, como o é o Grande Prémio do Júri do Festival de Veneza. The Favourite (2018) bem pode atestar a dubiedade deste galardão, mas o facto de ter sido atribuído por um júri cuja presidente desde logo manifestou animosidade para com o personagem Polanski (embora tenha declarado a sua imparcialidade perante o filme) torna-o, no mínimo, intrigante.
O tema do filme, como o sugere o título alusivo ao homónimo artigo de Émile Zola sobre o assunto, é o chamado caso Dreyfus. Todavia, ao invés de observar as ramificações políticas que o escândalo teve em França, por toda a Europa e para lá do continente, como por exemplo a cimentação do antissemitismo e a precipitação da ascensão do movimento sionista laico, Polanski dedica a grande maioria do seu filme à investigação de Georges Picquart que viria a reabrir o processo que, após uma primeira instância de mera redução de pena, mais tarde culminaria na declaração de inocência de Alfred Dreyfus, o que – não querendo desvalorizar a bravura do general – torna a narrativa em mais uma história de homem honesto em busca da verdade contra o mundo corrupto, do género das que já foram contadas centenas de vezes.
A realização de Polanski em nada contribui para remediar a monotonia do guião. Ora não diz nada, limitando-se a mostrar as caras dos atores que dizem os diálogos, ora diz demasiado, sublinhando ideias já deixadas perfeitamente transparentes pelo guião, para este fim socorrendo-se, entre outros, de uma montagem desastrosa – desde logo ela afirma-se como tal fazendo os planos consagrados à Ilha do Diabo, no começo do filme, parecer a punchline de uma piada que ficou por enunciar. Resta ainda apontar a banda sonora do fiavelmente melodramático Alexandre Desplat, cujo papel em elevar algumas cenas ao absurdo não pode ser subestimado.
Certamente, poder-se-ia fazer a defesa de J’accuse apontando a sua relevância social no contexto atual. Efetivamente, o caso Dreyfus levanta questões importantes, como a discriminação e aquilo a que por vezes se chama no contexto das democracias burguesas e ocidentais a “politização da Justiça”, embora esta expressão ignore o caráter inerentemente político da Justiça. O tom austero da cena final parece apontar para a insuficiência dos esforços de reposição da justiça, e até a realização deselegante encontra a sua razão de ser nas cenas do julgamento, onde a frontalidade e teatralidade das escolhas estilísticas reforçam o caráter sensacionalista do procedimento judicial. Porém, estes aspetos são inerentes a qualquer encenação do caso Dreyfus, precisamente por este ser um episódio paradigmático de todos esses problemas, e a existência deste filme não contribui de forma significativa para a popularidade de um caso já em si incontornável. Por isso, a execução desinspirada de J’accuse faz com que o filme de Roman Polanski em nada contribua para qualquer discussão, para além de reacender as habituais chamas que surgem cada vez que o nome do realizador é mencionado. Ficamos na dúvida se a causa dos protestos contra o filme é o passado criminoso do seu autor ou simplesmente a sua mediocridade.