Sons do Basqueiral regressam para dar vida ao museu
Sábado, último dia do mês de fevereiro. É de noite e vê-se, entre os feixes de luz alaranjada dos candeeiros, a chuva que se faz cair na vila. Um grupo de três pessoas reúne-se à entrada dum edifício iluminado, num tom vermelho, e o fumo do cigarro desvanece, lá no fundo. “Deve estar para começar”, pensam os presentes enquanto se apressam para entrar no edificado. E, de facto, estava – a tempestade Basqueiral regressou.
O Basqueiral, festival de música urbana, está de volta e, desta vez, conduziu-nos numa viagem até às entranhas do Museu de Lamas. O festival que, desde 2017, se realiza anualmente em Santa Maria de Lamas, anunciou já alguns nomes para a edição deste ano. Ao bom jeito das pessoas da terra, o Basqueiro – Associação Cultural apresentou-se neste novo ano com o Basqueiral no Museu. Esta primeira paragem – até à estação principal nos Jardins do Parque de Santa Maria de Lamas, nos dias 19 e 20 de junho – arrancou com a apresentação de projetos emergentes como os The Grind Fever, Cosmic Mass e Conferência Inferno. Uma vez mais, a organização que se empenha na missão ousada de apresentar musicalidade que atravessa o espectro alternativo, em detrimento do mainstream, voltou a cumprir com as expetativas.
O caminho iniciou-se com a indicação dos vários “B’s” (característicos da imagem do festival) estampados pelo chão de madeira do espaço museológico. A caminhada por entre a riqueza do espólio dedicado, sobretudo, à cortiça, preenche memórias, suscita a curiosidade e cria a ânsia de chegar ao destino. Descem-se umas escadas e a visão é conquistada pela criação artística da Companhia Persona, da anterior edição do festival lamacense. E, eis a chegada ao destino: a renovada sala da cortiça do Museu de Lamas.
No local está montada toda uma envolvente promissora. O amplo espaço compõe-se por um palco centrado em frente a duas estátuas que chamam, desde logo, a atenção pela relevância das figuras e pela luz que incide sobre elas – Jesus Cristo e o Comendador Henrique Amorim. O Basqueiral no Museu, que integrou as projeções visuais de Lígia Lebreiro (membro da Companhia Persona), estava prestes a arrancar com a presença de cerca de 200 pessoas. Mas, e os decibéis? Esses tão apetecíveis aos ouvidos dos mais famintos? Não tardaram a chegar.
A primeira atuação alinhou-se pelo “basqueiral” dos The Grind Fever – uma banda local, do concelho de Santa Maria da Feira. O projeto, que se estreou em 2019, com o EP “Cave Transmission”, é composto por caras jovens, mas esta juventude não cria ilusões e prova disso foi o impacto sonoro debitado.
A performance percorreu-se de ondas vibratórias incisivas da influência “pesada” do stoner e grunge. Parecem pouco importar-se com a linha que delimita o metal e o rock – mas que, em resumo, deram um “pontapé de boas-vindas” acompanhados de sons metálicos durante a sólida exibição das suas faixas.
Com um pequeno intervalo pelo meio, surgiram, de seguida, os Cosmic Mass envoltos numa densa nuvem de “psych-garage” rock. O quarteto aveirense apresentou-se numa chuva de som pesada e com um distinto hipnotismo melódico.
Graças à boa disposição e ao estilo amigável de Miguel Menano, vocalista principal do grupo, tentou-se ainda “pregar uma rasteira” à audiência, mas o estilo de rock, sem rodeios, traduz-se numa aparente infinita fonte de energia da banda. A apresentação do “Vice Blooms”, LP de estreia, lançado em março de 2019, fez com que a temperatura da sala subisse em sintonia com o ritmo que o pé ia batendo e o “abanar do capacete” do público.
E, se o ambiente estava quente, talvez fosse boa ideia deixar esfriar uns minutos. No entanto, o interlúdio não pareceu suficiente para os Conferência Inferno, que “incendiaram” o Museu. Um instrumental baseado em sintetizadores hipnotizantes, a melodia psicadélica do tocar elétrico do teclado e uma voz a cantar “restos de frases”, foram a receita para a, talvez, maior surpresa da noite. O fascinante projeto, com ADN punk, surgiu em finais de 2018, tendo estreado, no ano passado, o primeiro projeto: “Bazar Esotérico”. O agora trio que reside no Porto embrenhou-se numa floresta de ritmos eletrónicos transportadores e esta viagem, que estava prestes a terminar, atingiu o seu pico com o espaço a preencher-se de almas dançantes e despidas, encharcadas da embriaguez sonora, com passeios até ao imaginário mais intimista de cada um. “Bazar Esotérico” demonstrou, assim, um misto de música hipnótica com a melodia vocal intrigante que, aos poucos, ia sendo proferida.
O que é bom acaba rápido, mas há mais uma (ou duas) surpresa(s) até à chegada oficial do Basqueiral, em junho. A tempestade musical regressou a Santa Maria de Lamas e promete voltar com um punhado de trovões inéditos da brutalidade musical.
Artigo escrito por Rafael Oliveira