Agora é a nossa vez de apoiar a cultura
Sempre tive dificuldades em caracterizar o papel da cultura numa sociedade. Sei bem que é importante, sinto que é importante, faço por que seja importante. Mas não me peçam para debitar um qualquer ensaio sobre a forma como ela nos molda enquanto seres humanos. É para mim certo o impacto que teve, e tem, na minha vida.
Enquanto estudante de comunicação, com especialização em jornalismo, sempre tive um especial interesse em escrever sobre cultura. Por isso, decidi candidatar-me ao Espalha-Factos em 2018 e, por isso, sempre que posso, procuro realizar projetos nesta área em contexto académico. Este ano, se tudo correr como esperado, termino a minha licenciatura. Ainda não decidi que passo dar a seguir, mas cada vez mais acredito que o meu futuro tem inequivocamente de estar enraizado na cultura. Seja como jornalista, cantor ou até membro de uma qualquer editora ou espaço de espetáculos.
É com alguma pena que venho a perceber que este mundo, o das artes, é profundamente ingrato. Vejo atores e companhias de teatro a dar o litro e a pedir mais apoios, ao mesmo tempo que vejo iluminados do Facebook a dizer que, se querem ganhar dinheiro, que arranjem um emprego a sério. Vejo revistas e sitesduvidosos a esquartejarem sem dó nem piedade as vidas das “figuras públicas” — que apenas o são, não porque queiram, mas porque a sua profissão assim o exige. Vejo uma Carolina Deslandes a ser insultada por “estar gorda” quando ninguém quer saber da barriguinha engraçada dos seus colegas homens.
No fundo, enquanto sociedade, precisamos da cultura. Tão ou mais quanto gostamos de a menosprezar. E é por isso que hoje as palavras de Capicua fazem todo o sentido e devem servir de reflexão. Numa publicação na sua página de Instagram, a rapper frisou que o combate à pandemia da Covid-19 está em primeiro lugar, mas deixou um recado: “Pensem em quem vos acompanhou na quarentena. Pensem em quem vos aligeirou o medo. Quem vos reconfortou a alma e quem vos fez dançar, sorrir, pensar noutra coisa, sentir o espírito da liberdade. Pensem em quem é sempre solidário com as causas importantes e se prontifica a fazer espetáculos para angariar fundos, a divulgar petições e apoiar campanhas para ajudar quem mais precisa”.
Nos momentos de aflição, os artistas estão sempre lá. Podem até estar tão mal como nós, mas têm uma capacidade quase sobre-humana de colocar um sorriso na cara, apenas e só para nos entreter. E isso é de louvar. Porque fazem o que gostam mesmo sabendo que estão na linha da frente das críticas populares. Porque todos os conhecemos e por isso mesmo achamos que realmente os conhecemos.
Durante a última passagem de ano certamente todos fizemos resoluções que sabíamos que não iam ser cumpridas. É normal, faz parte da magia da meia-noite. Este não tem sido, de todo, um ano feliz, mas talvez o coronavírus possa servir para pormos em prática tudo o que, a 1 de janeiro, prometemos fazer. E talvez, quando tudo isto passar – porque vai passar – possamos finalmente agradecer a quem nos fez companhia nestes meses. Aos atores a quem devemos horas e horas à frente de um ecrã, aos cantores que nos fizeram viajar sem sair do sofá, aos escritores que conseguiram que por alguns momentos nem fizéssemos caso de uma pandemia mundial.
Talvez, desta vez, possamos ser nós a ajudá-los.
Crónica de Paulo Ricardo Pereira, publicada originalmente em Espalha Factos.