Quando chegares ao paraíso, John Prine
Não é um nome que surgia em festas (nem, por cá, em festivais). As pessoas não analisavam as suas letras em colóquios universitários, não o cantavam em grupo na praia nem colavam posters com o seu rosto em bares da moda. Mas não porque não o ouvissem. A razão era outra. A música de John Prine pedia uma certa privacidade ao ouvinte. Exigia intimidade. Se partilhada, que fosse em silêncio, trocando apenas sorrisos cúmplices. Não requeria a violência da exibição.
Foi por isso que quando se soube da sua morte, no passado dia 7, vítima do novo coronavírus, muitos sentiram necessidade de manifestar a sua tristeza. Porque perdiam algo íntimo. Porque o criador de uma nova forma de descobrir a experiência humana ia-se embora e deixava-nos a sós com as nossas lutas internas, num mundo virado do avesso. Ia-se embora a meio do pandemónio, como numa das suas canções.
Autor de letras sagazes que não perdiam o humor mas não deixavam de retratar, com alguma dor e nostalgia, a mesquinhez das pequenas acções do ser humano, John Prine (1946-2020) foi perito em mesclar um universo divertido e absurdo, quase-beckettiano, com as mais tradicionais narrativas do country.
Um cantautor de cantautores, o trabalho de Prine era adorado por figuras como Johnny Cash, Kris Kristofferson ou Joan Baez, gente da vida dura e das maleitas. Teve a capacidade de influenciar não só os que viriam depois dele, mas os que vieram antes. Bob Dylan, que catalogou a obra de Prine como “puro existencialismo proustiano”, nunca deixou de elogiar esse imaginário hospedado num inaudito midwest americano, onde a miséria viajava de mão dada com a graça.
Prine marcou geração após geração. Exemplos disso são as declarações recentes de Kurt Vile e Justin Vernon, de Bon Iver, que em tom de quem perde um herói, revelavam o impacto que o cantautor teve no trabalho deles.
É difícil compreender os mecanismos que regem o processo criativo de cada artista. Poetas falam em deixar-se ir para chegar, desabridamente, a uma verdade absoluta, uma verdade intuitiva, não-lógica. Contudo, a sensibilidade necessária para poder captar essas subtilezas requere um bom espírito, e quem ouvia John Prine sentia estar diante de um bom espírito. Alguém que dizia a verdade e simultaneamente apaziguava o mundo com a sua arte.
Numa canção do seu ultimo álbum, “The Tree of Forgiveness” (2018), John Prine fala da sua chegada ao Além, onde o espera uma festa com bebida, bares, familiares e amigos há muito finados. Neste Paraíso não há tempo nem pretensões. Há música, reencontros, e um estabelecimento nocturno, chamado “A Árvore do Perdão”, onde todos os que nos fizeram mal são perdoados.
No universo de Prine, a derradeira consolação é o alívio do perdão, aos outros, e a nós. “The Tree of Forgiveness” é um bom disco para nos acalmar em tempos de cativeiro. O último comentário do músico que nos ensinou que, perante o absurdo, devemos agir com gratidão.